São Paulo for dummies

Eu li os 460 programas imperdíveis listados pela Vejinha pra comemorar o aniversário de São Paulo. Como eu não tenho bolso pra fazer 80% deles (e acho que tem muita besteira listada ali no meio, e outras trocentas coisas boas, decentes e óbvias completamente esquecidas – por motivos que só a VejaSP e seu mundo de endinheirados wannabe conhece), resolvi listar minhas preferências pessoais – e que meu bolso consegue pagar. Nada de muito inovador… só uma listinha pra quem nunca veio pra cá fazer o basicão sem ter que vender o corpo pra conseguir voltar pra casa:

Passeie pela Paulista

Sim, é um clichê. Sim, é que nem ir pra Buenos Aires sem passear pela 9 de Julio, ou ir ao Rio sem passar por Copacabana. É pra inaugurar os trabalhos mesmo. É de graça. E dá pra fazer trocentas coisas legais por lá – de tomar uma cerveja no Puppy a comprar um livro (ou não) na Cultura do Conjunto Nacional. Tem banquinha de suco, feira de quinquilharia, bazar e o escambau, com muita entrada franca. Como o estacionamento por lá é uma bica, vá de metrô.

Se enfie na Augusta
De preferência, no meio da tarde de sábado, e fique por lá até de madrugada. É um outro planeta, com habitantes de todos os tipos, gostos e abordagens: branco, preto, japa, turco, judeu, gay, pobre, rico, hipster, punk, tiazona descolada e tiozão do pijama – sim, é assim que o mundo funciona… com todo mundo junto. E sim, chegue e vá de metrô.

Vá ao Pacaembu
Sim, ver um jogo do Timão. E em outros tempos, valia a pena ir ao Palestra assistir a Porcada. Chegue antes (e à pé), tome uma cerveja e assista à Gaviões agitando na Charles Muller. Entre, assista ao jogo de pé na arquibancada (verde ou amarela, tanto faz – ou no tobogã, que é o batismo de verdade) e berrando todos os palavrões possíveis pra esse filho da puta arrombado de juíz de merda. Na saída, peça o sanduba de pernil na barraquinha da tia.

Fuja da Vila Madalena, Jardins e essas porras
Pra encontrar esse povo já existe o Facebook. Se enfie nos bairros – de preferência, os coloniais. Brás, Moóca, Pompeia, Liberdade, e sim: Zona Leste, que é um dos lugares mais autênticos, legais e com cara de bairro de verdade na cidade. Sim, é ali que moram os juventinos, as empregadas, os bóia-frias, os pedreiros, os velhinhos imigrantes e toda essa gente que você não vê na novela. É a vida.

Sim, Centrão
Outro clichê. Mas sempre diverte. E lá você não encontra tantos lugares da moda (que bom). Porém, tem o Dog do Pedrinho, o Café Girondino e o Mercadão (sim, é inigualável, amigo que não conhece). Galeria do Rock é outro clichê necessário – já foi melhor, mas ainda vale uma visita. De novo: tudo com entrada grátis e sem gente torcendo o nariz se você tá com a camisa falsificada do Mengão. E sim: os melhores contrabandos tão ali do lado. Só descer a Porto Geral (que é outra experiência) e se enfiar na 25 de março.

Coma uma pizza na casa de alguém
Comprovado: não existe pizza melhor do que a que você pede em casa. Então vá à casa de um amigo paulista e mande esse cara pedir uma pizza. Ninguém mais vai em pizzaria, porque o trânsito não permite. E sim, na Camelo e na Bráz você pede a conta e eles te entregam o valor e uma colher – pra você arrancar seus olhos em seguida. Fuja dessa babaquice.

Vá pro interior
Não temos praia. Mas temos Itu, Sorocaba, Campinas, Embu, ABC e afins, e as estradas com suas peculiaridades gastronômicas, de lazer e etc. Sim, é mais rápido do que subir a Rebouças.

Procure programas originais
Festa de São Vito, feirinha boliviana, artistas da Paulista… tudo isso está aí há anos, sem patrocínio de whiskey nem hambúrguer gourmet. Converse com as pessoas nesses lugares – sim, paulistas sabem falar quando não estão mergulhados em seus smartphones.

Enfim, acho que por cima é isso. A cidade é gigante – cada habitante daria outras dicas e a gente nunca se repetiria. São Paulo é legal sim, Tem gente muito bacana aqui, muito boa também. Mas como em qualquer lugar, a gente precisa conhecer, escolher e saber o que quer. Como tudo na vida – que assim como São Paulo, não é fácil, mas a gente aprende a lidar.

Dois mil e treze

Foi bom.

Comecei e terminei 2013 viajando. Janeiro pra baixo, andar entre os pinguins, passar o aniversário no gelo, brincar de aventureiro e suar na Patagônia, novembro pra cima, me graduar em insanidade subindo o Monte Roraima na Venezuela. Do vento absurdo do Extremo Sul ao calor da Região Norte, mais alguns sabores no repertório. Conhemos gente da Argentina, Alemanha, Canadá, EUA, Japão, Irã, Israel (malditas), Coreia (malditos), Nova Zelândia (heróis), Venezuela e Chile, colecionamos histórias, fotografamos e filmamos muita coisa, fizemos alguns amigos e nos habilitamos a passar mais meia dúzia de dicas a quem quiser encaixar o pé nos nossos passos. Falei inglês errado fluentemente. Arrebentei o joelho, mas não desisti. A Dé encheu a lata de chocolate quente durante uma gripe portenha. Comemos bem. Comemos mal. Não tomamos banho, pra depois aprender o quanto é bom ter um mínimo de conforto. Tivemos muito conforto.

Levei minha menina pra assistir show no Cine Jóia. Minha irmãzinha voltou do estrangeiro. Um dos meus melhores amigos comprou apartamento e está se amarrando pra valer. Ganhei mais um sobrinho. Revi e me reaproximei de gente que não via há uns 15, 20 (e talvez mais alguns) anos. Tirei encontros do Facebook e coloquei-os na vida real. Fui pro Rio a negócios com uma cliente carioca, e tomei cerveja com outras ilustres duas, que pouco depois recebi aqui em casa. Entre almoços, cafés e happy hours, revi muitos amigos e fiz outros tantos. A Pimpolhinha passou uns dias aqui em casa. Fui numa rave, e sobrevivi. Vivi minha primeira passeata in loco – meio perdido, mas feliz. Li um livro (sim, pra mim ainda é um desafio). Montei mesa, banco, rack e prateleira. Recebemos os amigos pra rodadas e mais rodadas de cerveja, cachorro-quente, hambúrguer e RockBand. Cozinhei pra cacete, e acertei a mão muito mais que errei. O São Paulo não ganhou nada esse ano. O Fluminense caiu pra série B, mas pra variar… Nadamos muito, e bem. Compramos smartphones.

2013

Obviamente, nem tudo são flores. Minha passagem de ano foi boa, mas o Natal passado foi uma bosta. O pau quebrou em família. Fui processado (mas ganhei, então era ruim, mas ficou bom agora). Levei trocentas multas. Fomos eliminados pelo Boca na Libertadores. Queimei meu primeiro feijão. Meu carro deu novos vários prejuízos. Tem vazamento no apartamento. A Dé continua trabalhando no Taboão. A pizza anda vindo sem amor. Às vezes, o dinheiro não sobra como a gente gostaria. Meu micro às vezes dá dor de cabeça, nas horas mais inoportunas. Dexter acabou, e acabou zoado.

Profissionalmente, o ano foi excelente. Novos cliente e parceiros, aqui e fora do Brasil. Trabalhos muito legais, uma exposição ótima, remuneração bem boa, e a fila andando (e crescendo). Porém, numa promessa pessoal, disse a mim mesmo que não abriria detalhes dessa parte da minha vida. E vou cumprir, porque dá certo assim.

Por fim, ela continua sendo minha metade favorita e perfeita (mesmo não lavando a louça). Estabeleci um espaço e uma distância segura e boa, e agora irmão, sobrinha e cunhada estão por perto. A mãe vai bem, mas podia ir melhor (e depende dela, já conversamos sobre isso). A vida seguiu bem. Estamos com saúde, continuamos sonhando, e desses sonhos a gente põe no papel o que dá e faz vontade virar projeto, que vira realidade. Obviamente, sempre falta muita coisa, mas o que seria de um ano novo sem uma lista repleta de pendências…? É isso.

Que venha 2014. Até lá ainda temos 12 dias. Dá pra fazer coisa pra burro.

Mas 2013 foi bom.

O último capítulo

Amanhã vou encarar meu primeiro processo.

Estudei por tanto tempo (e ainda estudo, óbvio) pra justamente em momento algum precisar passar por aperto. Faço o possível e o impossível pra que meus trabalhos caiam no gosto do cliente – às vezes inclusive me dobrando a alguns caprichos (a incidência desse tipo de ocorrência vem caindo drasticamente com uma maior qualificação do próprios clientes… ainda bem). Normalmente a relação de trabalho é muito boa… ganhei alguns bons amigos nesses quase 15 anos de estrada. Fechei parcerias excelentes. Colecionei bons cases, e atendi da ervilha à melancia. Óbvio que nem tudo são flores, mas no geral eu posso dizer que minha vida profissional foi pautada de muito mais sucesso do que fracasso.

Mas está escrito no pára-choques: MERDAS ACONTECEM.

Às vezes a gente erra. Nesse caso, errei eu, por ter me dobrado demais a um “cliente” que não sabia exatamente o que queria. Pegar na mão a gente pega filho, pega mãe… Existem lugares específicos pra se fazer caridade, e o mercado não é um deles. Aprendi muito desde o momento em que despachei o indivíduo, e ele me respondeu com uma intimação judicial. Por sinal, o ser humano surpreende a gente de muitas formas – mas as negativas sempre prevalecem.

Essas linhas são muito mais um desabafo. Um fardo que estou levando sozinho e em silêncio nas costas está prestes a escorregar pro esquecimento, eu espero. E são também um agradecimento pessoal a cada um que investe e aposta no meu trabalho. Disse meu advogado: “é seu primeiro, não será o último”. Eu acredito. Às vezes o ego sobressai, e a razão de algumas pessoas é ofuscada por um preciosismo bizarro, que ferra a vida de outras pessoas.

Se eu posso pedir alguma coisa, amanhã mandem uma forcinha em pensamento. Lá pro meio da tarde, essa história estúpida acaba.

Bateu a cabeça?

3x4

Há alguns dias, comecei um trabalho totalmente pessoal*, que tem causado certa estranheza nas pessoas mais chegadas. Venho publicando quase diariamente fotos históricas da minha família – inclusive de antes do meu nascimento. Acho que valem algumas linhas de explicação, mais especificamente sobre onde (e como) surgiu essa ideia.

Da publicação de uma das minhas primas, há algumas semanas, surgiram das profundezas de alguma gaveta/HD imagens da minha infância – e inéditas pra mim até então. Foi o estalo: quantas são as lembranças que os anos/décadas estão aos poucos soterrando? Debaixo de quantas memórias recentes estão ocultos fatos realmente relevantes…? Aqueles que formaram a primeira fileira de tijolos, que serviu de base para o que eu me tornei hoje? Será que algum dia eu serei capaz de contar essa história pra alguém (filhos, sobrinhos, netos)? E a Dé, que eu conheci em 2006, faz ideia de quem eu fui durante os 26 anos anteriores? Depois que meu pai morreu, é justo que eu o transforme em uma memória à base de meia dúzia de imagens estáticas, que vira e mexe revisito? A grande maioria das pessoas que eu conheço não estiveram comigo durante tanto tempo… e as que eu conheço desde pequeno, perdi contato e retomei há pouco – sabem de fato quem eu sou?

Muitas perguntas, e a resposta óbvia: as fotos que minha mãe guarda debaixo da cama.

Existe na casa dela uma caixa mitológica (que já foi uma enorme mala de couro), onde estão praticamente todos os álbuns da minha família. Imagens que desde que me conheço por gente têm cheiro de mofo. Algumas estão descoradas, outras tantas o tempo literalmente comeu as bordas. Existem ali coisas da minha infância, e dela também, e do meu pai. Está tudo ali, pronto pra ser mexido de alguma maneira. E eu resolvi sujar um pouco as mãos.

A gente lembra de tanta coisa que quis esquecer… as dores mais diversas: da briga na família à derrota do time, do pé na bunda número 12 da menina da escola ao desemprego do pai, do Natal sem presentes à mudança forçada de colégio. A gente joga tudo pra debaixo da cama, engole o choro e segue em frente. Infelizmente, os arredores – que nem sempre são ruins como determinados momentos – vão junto pra gaveta. A gente esconde contextos, e aos poucos vai apagando os rastros, pra que possamos ser apenas o hoje. Enquanto isso, o ontem e o anteontem vão ficando cada vez mais distantes, até desaparecerem completamente e a gente não conseguir reaver a ordem das coisas – e menos ainda que coisas são essas.

Aos poucos, sem ordem definida, vou tentar arrumar isso tudo no que eu puder: restaurar imagens e cores (sim, existe um certo romantismo nas fotos amareladas, mas o mundo em 1973 era tão ou mais colorido do que 40 anos depois – seria uma injustiça omitir essas cores), tentar organizar uma sequência que me faça enxergar uns cacos da minha infância (cujas memórias eu tenho sob outro ponto de vista – as fotos são obviamente a visão de meus pais), e com isso reorganizar meu passado. Não é dívida com ninguém, muito menos um momento de nostalgia. É pura curiosidade, e uma certa ânsia em reativar memórias, que depois dos 30 parecem ter sido vividas em outra existência.

Timidez, cabelo, moleton, velotrol, shorts minúsculos, uniformes de colégio, estampas de disco voador, espinhas, transformações. Saber quem a gente foi pode ser a melhor forma de avaliar aquilo que a gente é. Não é crise de meia-idade (pra essa, ainda faltam bons 7 anos), mas organizar a bagunça é cada vez mais uma necessidade na vida. Em tempos de tanta pressa, parar um pouco e olhar pra trás tem me feito muito bem. Quem sabe, esclareça pra meia dúzia dos que estão realmente por perto os porquês de muita coisa. São desejos paralelos… o legal mesmo tem sido descobrir – o que for.

A viagem tem sido deliciosa. E vai melhorar bastante. Um trabalho desses é pra mais de ano.

*Não, não é uma despedida – não estou doente, nem morrendo; não, não estamos grávidos e nos derretendo por bebês (se cada pessoa que te pergunta “quando vocês vão ter um bebê?” soubesse o quanto isso é desagradável, não se intrometeria na vida alheia tão gratuitamente), e muito menos alguma coisa aconteceu com minha mãe, irmão e afins. Fiquem tranquilos: a gente ainda tem muita lenha pra queimar – e mais ainda: muita história pra contar. E viver.

Dois de agosto

Bigode,

Antes de qualquer coisa, deixa eu te dizer: teu time tá uma M-E-R-D-A! É uma grande moleza torcer pra essa bosta né? Ahahahahahahahahah! Sim, com certeza seria nosso primeiro assunto na manhã de hoje: eu, tentando te empurrar esse vexame que vocês tão passando lá no estrangeiro (grandes merdas tricampeão do mundo que não vence há 14 jogos), enquanto você retrucaria com alguma estupidez mal-educada, desmerecendo meu Timão. A gente faria cara de bosta um pro outro após uns 3 minutos de baixaria, e depois que as fúrias esfriassem, a gente desvirtuaria pra algum outro assunto qualquer em que quebrar o pau não fosse necessário.

Será que seria isso mesmo, bicho…? Já se vão 4 anos (sim, quatro-anos) desde esse teu silêncio, que só acaba quando por algum motivo você vem atormentar meus sonhos. Sim, nem neles você me dá folga – e algumas vezes até ali o couro come, e eu acabo acordando meio puto por ter desperdiçado mais um momento que poderia ter sido bom contigo. Tanta coisa aconteceu e mudou nesse tempo, e tanta coisa tem mudado cada vez mais rapidamente por aqui que se fosse te contar tudo por carta, seriam umas várias páginas a serem escritas. Só nesse último ano, eu e a Dé saímos do país por duas vezes, peguei uns clientes nervosos, tô sendo processado por uma idiota, fui tio de novo, e seu time taí, caindo pelas tabelas (você deve estar muito puto com isso que eu sei – chupa), fora os fatores externos absurdos, como o povo partindo pra rua, reivindicando seus direitos e começando a entender que cidadania é uma coisa que a gente não aprende nem na escola, muito menos lendo a Veja (isso, acredite, no Brasil!) – e esse é o resumão grosso, dentre tantas outras coisas que a gente não é capaz de lembrar a essa hora da madrugada.

A última novidade, você já deve ter notado, foi a saída daqui (e a chegada por aí) da tua irmã. Eu nem tinha mais contato com a família – quase toda ela, raras exceções, virou recordação – e somente isso – na minha vida desde a época em que você ainda estava por aqui. Mas imagino que com mais gente aí no andar de cima, você tenha mais ouvidos pra azucrinar, e mais sorrisos pra arrancar com sua palhacice aguda desenfreada.

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Aqui em casa, tudo anda. Nosso canto está se ajeitando aos poucos (nesses últimos dias, resolvi botar a mão na massa e acabar com as últimas caixas que ainda restavam da mudança: temos enfim um escritório bonito, gostoso e receptivo), eu e a cozinha somos cada vez mais amigos, e nesse último mês a Dé e eu enfim compramos um smartphone cada – porque o tempo pede por adaptações, e essa eu nem imagino como você estaria encarando, com cada vez mais coisa dentro de telas cada vez menores. O mundo anda meio louco, pra falar a verdade. Tá difícil acompanhar tanta coisa, os focos se multiplicam e a galera não se aprofunda nem vai até o fim nas coisas que acreditava ontem. É complicado, mas nunca tive a ilusão que seria moleza. Queria saber como você estaria encarando isso tudo.

Por isso bigode, eu espero que você esteja bem. Quatro anos na minha cabeça contam como uma Copa (eu e meu futebol sem fim), e é estranho pensar que um período que normalmente demora a passar tenha se arrastado tanto na saudade que eu sinto de você. A vida é capaz de acelerar aquilo que não importa, ou que é bom demais, mas nos massacrar esticando cada segundo ao máximo quando a gente sente falta de alguém. Tenho aprendido isso nesse tempo todo, de formas muito distintas e diferentes. Notado quem e o quê me faz falta, e onde e pra quem preciso ser todo dia um cara melhor. Dizem que a gente se acostuma com a falta… é verdade, mas dói. Não deixa de doer nunca. Só dói diferente com o tempo.

Acho que dão pro gasto esses novos fios brancos na minha barba – o cabelo eu nem considero há tanto tempo! – e espero não estar te deixando muito nervoso aí no teu canto. Sei que a gente se despediu estando bem, ambos, e é essa mesma paz a que eu desejo nessa tua jornada. Eu continuo aqui, esperando suas novas aparições nos meus sonhos, e com a certeza de que um dia eu te trombo de novo.

Se Deus quiser, com o São Paulo na segundona.

Beijo velho. Te amo muito, mesmo desse jeito torto.

Celo.

J.*

Quando você diz que trabalha por conta, quem vê de fora pode pensar “esse cara amansou a vida… trabalhando de pijama, com horário que quiser e direito a soneca no meio da tarde”. Essas coisas existem sim, é uma opção da qual eu não pretendo mais abrir mão, a não ser que algo realmente extraordinário aconteça.

Porém, nem tudo são flores. Você, além de ilustrador/designer (meu caso), vira comercial, atendimento, planejamento, enfim… todo tipo de coisa que o serviço demande. E merdas acontecem. A história a seguir acaba de ter um desfecho – favorável a mim, obviamente (e isso não é soberba – os fatos comprovam os porquês), mas desde o dia em que eu me meti nessa vida, foi sem dúvida a maior dor de cabeça que já tive. A narrativa tem como foco principal os MEUS erros, pois se a coisa chegou nesse ponto, foi principalmente pelo fato de eu, em algum momento, ter desrespeitado meu próprio trabalho (sim, o cliente não é obrigado a saber se você é profissional ou não – sua imagem quem faz é você, e a minha eu destruí com essa sujeita).

Aos fatos:

Existia a J.. Uma cliente que um dia pediu um orçamento, que contemplava ILUSTRAÇÕES, IDENTIDADE VISUAL e INTERFACE DE SITE. Fizemos a primeira reunião (presencial, coisa que eu acho totalmente dispensável, quando se tem um projeto definido). Porém, ao chegar para o tal almoço, recebi como briefing para o terceiro item solicitado a imagem abaixo. Riam o quanto quiserem, e acreditem: esse era o material dela. Mas eu mereço o que vem a seguir, pois quem aceitou essa porcaria fui eu.

Sim, “isso” era meu briefing.

Sim, “isso” era meu briefing.

PRIMEIRO ERRO:
– VOCÊ É PROFISSIONAL, NÃO CASA DE AUXÍLIO.

Acreditando que aquilo era o melhor que ela podia oferecer, e que as ideias faziam sentido, pensei “ah, simbora… a coitada pelo menos tentou mostrar o que imagina”. Peguei o job – orcei dois meses pra entrega total de todas as peças – e dias depois, comecei a trabalhar. O ponto inicial foram as ilustrações. Público infantil, contos de fada misturados, parecia uma boa. Elaborei as peças e enviei a primeira leva. Agradou, mas o retorno de fato foi “eu queria tentar outras coisas”. Começou o festival de alterações.

SEGUNDO ERRO:
– ALTERAÇÃO TEM LIMITE. COBRE OS EXCEDENTES.

E minha caixa de e-mail virou um gramado onde as mensagens e os arquivos se tornaram verdadeiros bumerangues. O trabalho não acabava, o prazo indo embora, minhas férias chegando e nada que agradasse a dita cuja. E tudo isso por um motivo: ela NÃO SABIA O QUE QUERIA, e resolveu descobrir durante o projeto. Na minha proposta (enviada antes do início dos trabalhos), existe uma cláusula que limita essas alterações e retrabalhos. Eu, bestamente, resolvi ignorá-la, “tentando manter as boas relações com a cliente”. Burrice. Já diria o Arnaldo, a regra é clara: se tá escrito, você cumpre. Eu não cumpri, e levei na cabeça.

Três meses depois do início dos trabalhos (e com as ilustras finalizadas, enfim), saí de férias. Porém, dada a zona constituída, pedi um adiantamento do valor total. Pagamento efetuado, viajei. Voltei após 3 semanas e retomei os trabalhos, agora partindo pra segunda parte: o logo.

TERCEIRO ERRO:
– ERRAR UMA VEZ É HUMANO. DUAS, É PURA BURRICE.

Que eu enviei uma vez. Duas. Três. SETE. E a tal J., que continuava sem saber o que queria, resolveu por conta própria FAZER o próprio logo (leia-se por “fazer” desconstruir minha criação, e de um fragmento me enviar instruções pra “ajeitar aquilo”). Foi a gota d’água. Os dois meses já eram seis, e eu resolvi pedir as contas. Segue abaixo a sequência de emails (os dela, com todos os erros gramaticais, inclusive):

………………………………………………………………………………….

J., bom dia.

Tendo em vista o último contato que tivemos, recebi com surpresa o envio da peça – até então desenvolvida por mim – completamente descaracterizada e agora desenvolvida por você, e a solicitação para que eu “acertasse” as imperfeições da mesma.

Gostaria de esclarecer que todo o trabalho desenvolvido para você ou qualquer outro cliente é feito tendo por base um estudo bastante embasado quanto ao desenvolvimento de cada peça – seja ela qual for – para que cada uma cumpra sua devida função com a devida propriedade. Fontes, cores, formas e composições devem fazer sentido em qualquer contexto em que possam ser utilizadas (e são muitos).

Porém, a desconstrução de praticamente todas as peças até então desenvolvidas (foram muitas as refações em cada uma das ilustrações – porém todas devidamente atendidas, e nenhuma delas cobrada com os adicionais que constavam na proposta inicial – visando inclusive a satisfação do cliente acima de qualquer fundamentação financeira – às vezes prefiro abrir mão da minha parte para que o processo flua de forma mais tranquila – situação que dessa vez funcionou de forma inversa), culminando nessa última solicitação me esclareceram que meus trabalhos não têm sido validados da forma como são concebidos – e nesse ponto, quando uma peça (no caso, o logo) vem do cliente para o ilustrador, creio eu, esteja invalidando o caráter ao que o trabalho se propõe, que é de um oferecimento de serviços qualificados de contratado para contratante – necessariamente nessa ordem -, tanto em prazos quanto em resultados.

Sendo assim, gostaria de encerrar nosso vínculo de trabalho, com a quitação dos pagamentos restantes quanto às ilustrações (o logo, a composição para o site e uma das ilustrações que não foi entregue serão descontadas do orçamento inicial, estando os custos totais relativos ao montante do projeto executado descritos no PDF em anexo). Quando desse pagamento, repasso a você os arquivos-fonte das peças em questão, para que o próximo profissional que venha a atendê-la no momento seguinte possa continuar os trabalhos com a qualidade que notoriamente não estou atingindo a seus olhos nesse momento.

Agradeço novamente a oportunidade, e fico no aguardo de um feedback relativo a essas pendências.

………………………………………………………………………………….

Masili, boa tarde.

Conforme o seu último e-mail, em 03/05/2013, diante do seu pedido de encerramento do trabalho peço que voce deposite o valor que eu paguei, uma vez que nao recebi nenhum dos itens da proposta cocluidos.
Os dados para o deposito de R$[valor] sao:
[dados bancários]
J. C. M.

Sem Mais,
J.

………………………………………………………………………………….

J., as ilustrações de oito dos nove personagens que você pediu não foram entregues?

Aguardo resposta, e o pagamento do montante pendente.

Obrigado.

………………………………………………………………………………….

Nao recebi nenhum arquivo em alta resolução muito menos a arte completa com todos os personagens, pedido este feito por mim desde janeiro deste ano.
Quem aguarda receber por algo que pagou e nao obteve sou eu.
Tomarei as medidas necessárias para reaver o que paguei.

Át.

………………………………………………………………………………….

J., por favor leia o que lhe foi enviado anteriormente.

Conforme ESPECIFICADO no primeiro email enviado, essas artes lhe serão enviadas (e de fato serão, uma vez que não tenho o porquê lhe prometer algo, lhe cobrar e não entregar – não faria o menor sentido), em arquivos editáveis inclusive (para Illustrator, e os PDFs em alta) assim que o restante do pagamento igualmente especificado no PDF que lhe enviei em anexo for depositado. Os arquivos em baixa foram enviados somente para aprovação, e assim cumpriram seu papel.

J., estou tratando o assunto de modo profissional desde o início desse projeto, e fazendo o mesmo nesse momento em, que por todos os motivos especificados, estou abrindo mão da continuidade do mesmo – em prol da sua satisfação enquanto cliente, e da minha comprovada não-satisfação por sua parte quanto à prestação de serviços.

Não pretendo tomar nenhuma medida necessária, senão o bom senso quanto à quitação de débitos dos meus serviços, e a entrega do material em que trabalhei, recebi e aguardo a quitação. Espero o mesmo de você.

Obrigado.

………………………………………………………………………………….

Obviamente, o bom senso que eu tentei prezar, o dinheiro que não cobrei, e toda a educação que mantive foram pro espaço quando chegou aqui em casa a tal intimação judicial. E do envelope ao tribunal, foram-se 45 dias de espera e uma úlcera me corroendo de raiva, por ter investido tanta confiança numa sujeita tão baixa.

Aí esperei a audiência. Me aconselhei com amigos, clientes, esposa, mãe, cachorro… tomei meu calmante e fui trombar a dita cuja. Abri mão do dinheiro restante proporcional ao trabalho que havia executado, com duas condições: que ela não usasse aquela coisa que ela fez, e que chamou de logo; e que sumisse da minha vida pra sempre. Ela deu de ombros e esperneou que queria o dinheiro de volta. Round 2 a caminho.

Que hoje, dia 20 de dezembro, terminou. E eu ganhei.

E que hoje, dia 14 de maio de 2014, A PESTE ME PAGOU O QUE DEVIA, PORQUE DEVIA.

Com isso, amiguinhos, ficam aqui as lições aprendidas com meus erros:

1) NÃO DESRESPEITE SEU PRÓPRIO TRABALHO
O que vale um, vale um. O que vale mil, vale mil. E é em cima disso que se deve trabalhar. Nada de sair por aí fazendo caridade, a não ser em casos especiais e com 100% de procedência. O ser humano é filho da puta até que se prove o contrário.

2) SÓ COMPRE A BRIGA SE ELA VALE A PENA
Não vale a pena perder tempo e saúde com quem não sabe ler. Ou fazer um briefing. Ou fechar um projeto. Tem gente que não empreende: se aventura. Lembre-se… os que acompanham o Indiana Jones só se fodem o filme inteiro, pra ou morrerem pelo caminho, ou serem comidos por ele no final. Opções, ambas, que eu acho bastante inadequadas.

3) NEM TODO DINHEIRO É VERDE
Se achar que não vale a pena, não abrace. Saber filtrar talvez tenha sido a maior lição que eu levei dessa história toda. Às vezes é melhor esperar comendo um miojo quentinho, do que cair de boca num filé frio e duro.

4) MANTENHA A LINHA
Gente burra perde a razão no calor do momento, e na própria falta de projeto. Deixe o fulano se foder sozinho. Sim, eu sei… isso vindo de mim é difícil de acreditar, mas o tempo (e a idade, e minha esposa) me ensinaram. Tome uma cerveja, esfrie a cabeça e retome o raciocínio. É mais engraçado e saudável quando o cachorro morde o próprio rabo.

5) CONTINUE A NADAR
Pra esquecer um episódio ruim, viva um bom. E preferencialmente, nas próximas peneiras, escolha somente os bons. Tire os aventureiros do caminho, porque nada nessa vida traz mais retorno profissional do que um cliente satisfeito. E fico feliz de ter vivido uma exceção: pra aprender, e deixar de ser burro (comprometendo um orçamento pequeno, e um cliente que não valia metade do respeito que empreguei).

Fim da história. Fiquem à vontade para matar dúvidas nos comentários.

* O nome da infeliz foi propositalmente ocultado, bem como o da sua pseudo-marca. Questão de bom senso – e educação, reforçando o item 4 das lições aprendidas.

Madiba

Former President of South Africa, Nelson Mandela, receives an ovation from Labour Party delegates. Copyright Terence Bunch.

Eu sei que possivelmente, ao acordar daqui a algumas horas, a notícia da morte iminente de Nelson Mandela será fato, e não previsão. Não importa a data. Importa que quando o mundo perde Madiba – e com o nome com o qual é chamado carinhosamente pelo povo de seu país (e poucas são as pessoas que merecem tanto carinho, então porque não oferecê-lo quando podemos?), que ele será tratado nesse pequeno texto – o mundo perde, literalmente.

Pequeno e pobre, pois pouco sei sobre sua história. Conheço os fatos que todo mundo conhece: como e porque foi preso, como foram seus dias de cárcere, e como voltou ao mundo em 1990, tornando-se presidente 4 anos depois.  Mas isso também não é importante, dado que sua figura é tão (justamente) celebrada que sua história está escrita e descrita em livros, filmes e especiais de TV às dezenas. Servirá de eterna referência, e certamente tantos outros registros surgirão.

O que importa é que o homem fez em vida. Importa ter sido capaz de após quase 30 anos, sair às ruas e não enxergar diferenças de cor, de credo, de valores. Ter pensado uma nação naquilo que o termo significa em sua forma mais pura e perfeita. Trazido um espírito autêntico de unificação, após a forma mais desumana já estabelecida de “convívio” de um povo – o maldito apartheid. Ter dado a cara a tapa (e levado muitos, por anos e anos), sem perder a pureza de um sorriso inspirador, cativante e emocionante, de quem viveu a vida por um bem maior, e por esse bem não deixou de vivê-la em momento algum, fosse qual fosse o tamanho de seu universo, e estando ele de portas fechadas ou abertas.

Não se ouviu falar mal de Madiba. Os que falaram foram esquecidos, ou ofuscados por seu sorriso em preto e branco, e sua história colorida como linda bandeira sul-africana. Hoje a tal nação aguarda resignada a notícia de sua morte, unida e dolorida. A nação mais desenvolvida do continente mais esquecido. Por tanto tempo, a África do Sul foi sinônimo da imagem desse senhor: uma imagem de esperança, de possibilidade de mudanças. O país precisa de mais. O continente também. O mundo, sempre.

Espero que a gente, nessa ânsia de viver a 200 por hora, seja capaz de em algum momento se inspirar num exemplo desse tamanho. Uma pessoa que foi aprisionada, e viveu 300 anos em 30. Que enxergou dentro de si a resposta daquilo que precisamos do lado de fora. Mais que isso: que soube sorrir, apesar de tanta dor, o sorriso mais sincero: aquele que vai direto pro peito, e faz com que a gente reaja com a emoção que nos negamos, ao apressar nossa própria existência pelos motivos mais estúpidos.

Por isso, mais do que um nome que se tornará (ainda mais) eterno, o exemplo de vida de uma pessoa que é capaz de alcançar os horizontes que Madiba alcançou, inspirando aos quatro cantos com sua história aquilo que um ser humano é capaz de fazer de melhor nessa vida, acho que todos nós – que não conhecemos, ou que conhecemos muito, ou ainda que somente ouvimos falar por aí – devemos prestar atenção ao legado desse homem. Aprendermos com o que ele foi capaz de ensinar, após por tanto tempo precisar aprender sozinho, e evoluindo em silêncio uma mente brilhante e um coração que bateu em tantas cores. No símbolo de um ser tão grandioso, que se vai sem que nos importe qual era sua religião, sua vida particular, e os tantos abusos que sofreu durante sua reclusão, estabelecendo assim a imagem de alguém que mesmo tão maltratado, foi capaz de alçar uma nação inteira rumo a um futuro mais próspero e humano, fica uma triste certeza:

– Um mundo sem Mandela é um mundo pior. Que seja, portanto, eterno Madiba.

Quando eu for presidente do mundo…

Episódio 1 – ROUPAS

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…e precisar comprar uma roupa nova, vai existir uma loja onde eu encontre camisetas de algodão, nas cores branca, preta, vermelha, amarela, verde, azul e afins (os afins não incluem rosa danoninho). Sem estampa, dois tipos de gola: redonda ou em V. Sem bolso, sem aplique, sem frases desconexas em inglês, sem etiqueta do lado de fora, sem caveira estampada.

Nela eu também vou encontrar um jeans, em que entrem minhas pernas e que não me faça parecer cagado, ou uma bailarina gorda. Vai cair bem, sem apertar mais que minha cueca, e ter umas três ou quatro lavagens, todas decentes. Nada de rasgado no joelho, tachinha na lateral ou tag na bunda, pois a intenção é usá-la todo dia, e não somente durante as festas do mês de junho. Tem que caber celular, carteira e chave no bolso. Cores de gente, e nada de branco.

Se precisar de uma bermuda, misture as definições de camiseta e jeans, e tá tudo certo. Um cinto? Preto. Fivela que encaixe, sem inspirações no The Big Bang Theory (fivela não é colete à prova de bala, nem escudo do Capitão América). Liso mesmo, do material que for. De pano inclusive. Meias, cuecas, tênis… seguem todos a mesma filosofia. Tudo junto, num só lugar. E justamente por oferecer tão e somente o básico, sem firulas, será um lugar acessível ao bolso.

Porque moda vai e vem. Mas algumas coisas são eternas.

*Inspirado num papo que tive com a Dé por diversas vezes. Deve virar uma série, que trate de como o mundo podia ser muito mais simples e fácil, mas a gente insiste em complicar absolutamente tudo.

Respire fundo, e Benalet

Nas duas vezes que estivemos em Buenos Aires, pegamos táxi por algumas vezes. Em ambas as viagens, além da abordagem clássica (são brasileiros? o que vieram fazer por aqui? estão gostando?, e toda aquela milonga deliciosa de sempre), os motoristas falaram sobre política. Na primeira viagem, em 2008, sobre o governo Lula; e no início desse ano, sobre a “Lulita” (o apelido da Dilma pros hermanos). Conversamos dentro daquilo que sabíamos, e nessas horas ficou claro que sabíamos muito pouco – principalmente comparando nosso conhecimento à fluidez dos argentinos no assunto.

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Esse povo de cabelos engraçados, futebol vistoso e ótimas carnes e doce de leite já vai pra rua faz muito tempo. Tem dois heróis nacionais declarados: Evita Perón (dispensa maiores apresentações), e Domingo Sarmiento. Ambos presidentes, o segundo – e menos conhecido por aqui – se destacou pelos incentivos à educação e cultura no país. Não por coincidência, desde seu governo houve uma proliferação de livrarias pelo país. Os argentinos continuam apaixonados por futebol, mas passam seu tempo livre em áreas públicas enormes, cultivando os bons hábitos do convívio em sociedade, leituras, esportes e um lazer de qualidade. Não por acaso, conversar com a maioria dos argentinos é uma experiência que acaba com qualquer preconceito babaca ou rixa estúpida surgida com a tal rivalidade futebolística.

Houve um estalo, e com a coragem de alguém, tudo começou a mudar. Lá atrás.

Os atos públicos que estão acontecendo por aqui têm despertado opiniões das mais diversas. Eu, que tanto falei sobre por aqui na semana passada, resolvi botar o pé pra fora de casa e segunda-feira tentamos entender a coisa toda de dentro. E vimos de tudo, mesmo. Desde então o que se discute é se estamos ou não “banalizando um movimento autêntico”, ou se isso tudo não é “fogo de palha”. Ficou mais fácil formar uma opinião depois de participar, essa é uma certeza que tenho.

E acho que o fato de domingo à noite discutirmos, em uma mesa de sete pessoas, a tal política vista aos olhos de cada um (e olhos tão diferentes que não foram poucas as surpresas com as opiniões de cada um) tornou-se assunto: superficial, viciado, bandeirista, não importa. Discutimos. Assim como o facebook, que vem sendo dominado pelo assunto desde semana passada, sem pausas pra Copa das Confederações ou pro Dia Nacional da Garrafa Térmica. Estamos discutindo, cada um do seu jeito: sem buscar fontes, passando adiante informações toscas (às vezes levianas), vídeos descontextualizados, pedidos de justiça vazia. É um verdadeiro tiroteio sem alvo. Os poucos realmente politizados e com conhecimento desmerecem as “tentativas vazias” da maioria. E você pode pensar: que merda isso… como a gente está longe de saber o que quer, e mais ainda: como lutar por isso?

E aí eu discordo.

Conversando com uma amiga hoje, a conclusão que eu tiro é que, mais importante do que sabermos onde chegar, é termos saído da inércia. Uma molecada com energia, e que ainda não tinha visto seu próprio país na rua, viu e gostou. Muitos dos céticos (incluo-me) tiveram uma fagulha de esperança em tudo o que vem acontecendo. E quanto às discussões… eu nunca vi uma criança sair do engatinhar e começar a andar sem tropeçar, cair e se machucar. Mas é um caminho sem volta – após a primeira tentativa, você faz a segunda, a terceira, e quando menos percebe está andando sozinho. Se todo esse furor se transformar em hábito, a gente pode se orgulhar sim de ter dado um primeiro passo.

Política não pode ser tabu, ou papo de velho, ou coisa de radical, e a gente precisa ser fluente e trocar opiniões, SIM: com quem entende, com quem não entende nada, com quem tem opinião formada e com quem está mais perdido que calcinha em lua-de-mel. É um processo que demanda tempo, empenho e acima de tudo, boa vontade e auto-crítica. E saber que além de protestar contra as injustiças, a gente precisa dar o segundo passo/o exemplo. Mais que isso: parar de culpar os partidos, os políticos que estão lá e toda essa corja. A culpa é nossa, que além de discutir, não sabe votar, acompanhar e cobrar os nomes que elegemos. Então, vamos aproveitar o momento pra entender tudo isso. Sim, a panela explodiu, tá uma puta zona na cozinha e a gente nem sabe por onde começar a limpar.

Mas decidir é preciso, porque à noite a gente tem que jantar.

A verdadeira Voz do Brasil

Eu nasci em 1980. Lembro de ter visto o movimento pelas Diretas muito por alto… tinha 5 ou 6 anos, as crianças da época se preocupavam muito mais em jogar bola na rua, coisa que era possível na época. E apesar da despreocupação típica, eu lembro de manifestações, do Doutor dizendo que não sairia do país se a emenda passasse, do minuto do presidente, da Voz do Brasil, e mais pra frente da morte do Tancredo. O povo que ira pra rua naquela época era uns 20, 25 anos mais velho que eu, e vira muita coisa pior num país ditatorial e repressor. Dali em diante vieram os anos Sarney, o Collor, o impeachment, o Plano Real e o Brasil “emergente”. O resto é história conhecida.

Crescer sem bandeira foi crescer assistindo ao Jornal Nacional e lendo Estadão e Veja. Parece absurda tamanha restrição, mas sim, a TV um dia já teve apenas sete emissoras, e jornais e revistas eram fontes reais de informação. Não sei quão diferentes de hoje, mas tenho absoluta certeza que vivi textos mais sérios e um jornalismo menos fantasioso desses mesmos meios. Óbvio que o mundo não era melhor, nem mais puro ou inocente. O mundo é o mundo desde sempre, e os males que a gente vive apenas mudam o jeito que se apresentam. Caráter é coisa que alguns têm, outros não, e poder é poder: pra general, presidente eleito, vice biônico, operário ou intelectual. E admito minha total alienação a tudo isso, classe média estabelecida, uma vez que passei a ganhar meu primeiro dinheiro num país em que a moeda se estabilizava depois de tantos zeros cortados, e o poder aquisitivo vinha numa crescente que gerava um otimismo consumista que anestesiava qualquer inconformismo com a situação do cara que pedia no semáforo. Era só fechar o vidro, e o problema acabava.

Claro que me tornei cético e frustrado na mesma proporção, vivendo essa realidade ridícula. Cresci ouvindo o discurso que a gente só conhece a verdade depois de ver os dois lados da moeda, mas os tais meios de informação já citados (e depois engrossados pelos grandes portais desses mesmos grupos) traziam a informação devidamente preparada, polida, mastigada e com a conclusão pronta, para que não tivéssemos o mínimo trabalho de pensar a respeito. O lado da moeda já vinha escolhido. E entre a novela das oito, o jogo do Timão e o Domingão do Faustão, aceitamos a opinião formada como sendo nossa. Lembro de gente que esperava até o domingo pra opinar sobre os assuntos do momento, pois tinha que ler a revista e o jornal pra “saber a verdade”.

O problema é que essa burrice virou hábito.

E dali em diante, ficamos esperando as coisas caírem no colo, enquanto assistíamos às novelas em que o mundo fala português, o Brasil é branco, hétero e rico, as pessoas não falam palavrão nem acordam de mau humor, os manifestantes gritam e são prontamente ouvidos, os políticos presos no último capítulo e substituídos pelo Tony Ramos, ninguém lava a louça ou a roupa, o Rio de Janeiro continua lindo e todo mundo tem tempo pra um café da manhã de mesa cheia. Isso por três vezes ao dia, incluindo sábados. Porque domingo tem futebol.

Daí, muito me surpreende essa molecada ir pra rua, com um saco bem mais novo e menos enrugado do que o meu, mas igualmente cheio, com voz alta, celular na mão, que filma e fotografa com muito mais intensidade e rapidez do que qualquer registro que eu pudesse fazer na minha época, e meus pais na deles. Em alguns minutos, tudo escancarado por todos os cantos, pois o país de hoje é uma democracia e a censura – que ainda existe SIM, e nos choca com a frequência cada vez maior que se mostra – é impelida por ondas e ondas de fatos reais, sem atores, repórteres engravatados e âncoras de telejornal. Está muito, muito fácil MESMO se informar sobre os lados da moeda agora. E não são apenas dois, mas muitos, pra quem quiser ver e tiver o mínimo de decência de refletir por dois segundos sobre tanto barulho, antes de sair reclamando por aí sobre “os baderneiros”.

Por isso meu amigo, pare com essa história de jogar a culpa nos outros. Mais do que isso: SEU UMBIGO NÃO É A RAZÃO DE SER DE UMA SOCIEDADE, DA QUAL VOCÊ FAZ PARTE, E NÃO O CONTRÁRIO. Espero que as bandeiras que eu não levantei sejam uma a uma honradas por quem chegou depois, e além de ficar reclamando e de saco cheio, resolveu fazer alguma coisa a respeito. A verdadeira Voz do Brasil – irônica e acertadamente, todos os dias, às 18h.

E amanhã tem mais. Graças – não a Deus, mas – a essas mesmas pessoas. Que bom.

*E a quem mantém a postura de que os protestos têm “cunho político”, um conselho: é fácil pra quem está no poder atribuir a culpa a quem não está, e vice-versa: nesses moldes, qualquer manifestação popular é desqualificada, e tudo vira plataforma pra próxima eleição – seja pra quem ataca, seja pra quem defende. Sejam mais inteligentes, e cogitem a possibilidade de mais uma vez estarem manipulando suas ideias.