Sem surpresas

O que aconteceu ontem foi realmente lamentável.

A absolvição do Genoíno, da forma como aconteceu, assim como a dos outros mensaleiros foi uma das maiores sem-vergonhices já registradas nesse país, é fato. Porém, o que eu vou escrever aqui é algo que vem povoando minha cabeça nessas últimas semanas, e que ontem provou-se uma verdade – e não uma ideia ou um pensamento – pra mim (e repito veementemente o “pra mim”, uma vez que não estou aqui pra apontar minhas verdades na cara de ninguém – um expediente que anda cada vez mais em moda por aí e que tem tornado as pessoas cada vez mais chatas):

Não há nada de novo acontecendo.

Pode parecer ridículo dizer uma coisa dessas, mas é uma constatação que eu vou tentar fundamentar nas próximas linhas. O que me parece é que a despolarização da mídia, a facilidade da informação (e suas eventuais distorções) e um interesse maior de cada um em se fazer ouvir causou um verdadeiro tsunami de informações sobre qualquer coisa – inclusive sob política, pois – quem diria? – é um expediente que faz parte das nossas vidas, tanto quanto futebol, vida amorosa e sexual, novela, música e BBB.

A informação de hoje chega de várias fontes, muito diferentes das de 10, 20 anos atrás, e completamente diferentes de antes disso. Existem outros interesses, outros pontos de vista, outras defesas e ataques, e por fim tudo isso ganha destaque parecido – sem o afunilar que antes existia (e ainda existe) na mídia de massa. Nesse novo momento do mundo, em que a TV, o rádio e a mídia impressa perderam espaço, e hoje dividem importância com os canais digitais, a goteira virou inundação.

Mas nada mudou.

Historicamente nós sabemos que esse mesmo país e sua política que absolveu o Zé Dirceu já matou e exilou muita gente (inclusive o próprio Dirceu) durante o regime militar; que em sua emissora de TV mais proeminente manipulou a edição de um debate para a vitória de determinado candidato em suas primeiras eleições presidenciais democráticas; que numa clara jogada populista, fez de tudo para depor o mesmo em seguida; que não é capaz de lidar com a liberdade de expressão popular sem o uso da força e dos resquícios daquela mesma ditadura em suas políticas; que permite que sua máquina eleitoral continue funcionando em prol da polarização de forças entre partido A e partido B, não permitindo a equalização de espaços para novas vias; e sobretudo: que não sabe lidar com a informação (seja de onde for) sem repressão, burocracia e desinteresse no real esclarecimento.

O povo brasileiro não discute política, simplesmente porque não sabe como fazê-lo (assim como acontece com tantos outros assuntos – senão todos). É uma nação de ignorantes sim, não é radicalizar opinião nem apontar dedo: nós não temos estudo, não temos cultura e discriminamos por inércia quem nos é diferente (e não me venham com aquele papo de “herança cultural” – é sabido há décadas que somos assim, assim como o funcionamento teoria da evolução – não é nenhum absurdo qquerermos que ambos em conjunto tragam alguma mudança). Os que pouco sabem sobre qualquer assunto parecem inalcançáveis e senhores da verdade, por mais absurdas que sejam suas opiniões (e ocasionais torcidas, que por vezes extrapolam os limites da razão em prol de determinada bandeira). Somos capazes de exaltar o linchamento de uma pessoa pelo simples prazer de um sentimento (absurdo) de “justiça”. Somos desumanos porque aprendemos – inclusive pela própria forma de se fazer política no país – que o importante é vencer aquele que tem opinião diferente da sua, ao invés de dialogar e entender o que de fato é essencial para o bem comum – e nem sempre é aquilo que nos satisfaz individualmente.

Isso não vem de agora. Sempre foi assim. E não há esperança em mudanças.

Porque não sabemos como fazê-las. Porque quando tentamos fazer alguma coisa, “é de cunho político”, ou somos chamados imediatamente de baderneiros, de vagabundos e coisa parecida. Somos oprimidos com a iminente violência opressora – a mesma que está aqui desde a ditadura, que nunca deixou de existir pra quem é pobre (sim, parece novidade, mas não é – nunca foi). Porque enquanto ficarmos defendendo a reação pela consequência – e não a cura pela causa – continuaremos dando murro em ponta de faca e falando besteira. Ontem mesmo eu conversava com uma amiga sobre o que é possível ser feito num cenário desses. A curto prazo, ambos não soubemos responder, porque o cenário torna quase impossível uma resposta imediata (e digo “quase” por não saber como, mas quem sabe você não tem a solução para essa nossa dúvida?) a esse cenário.

Me ocorre somente estudar. Pra entender. E quem sabe, encontrar a resposta.

Eu não sei discutir política. Não cresci discutindo como funciona a máquina democrática (de lugar nenhum, muito menos do meu país). Estou com 34 anos, e completamente desiludido com o rumo que as coisas tomam. Vejo amigos meus escrevendo e divulgando cada absurdo por aí que a minha vontade é sair dando tapa na cara de geral – mas eu seria autoritário e burro, assim como eles estão sendo ao tomar pra si essa briga estúpida, que só beneficia a quem já está lá, rindo da nossa cara. Mas conversar é bom. Sobre futebol, novela, BBB, música, e sobre política – sim, porque eu sei que apesar das opiniões diversas, o sentimento de desilusão é o mesmo. Hoje, aflorado pelos abusos fartamente divulgados aos quatro cantos, e que bom que temos acesso a tudo isso. E acho que posso dizer que prefiro ser um ignorante com possibilidade e raio de ação ao aprendizado de hoje, do que o ignorante que se achava esclarecido e que cresceu sob 3 ou 4 veículos de mídia que só divulgavam aquilo que lhes era de interesse. A reação contra qualquer cenário de desolação e desesperança é encontrar um chão firme pra pisar, e começar passo a passo a ir contra o que te massacra.

Somos sim capazes. Mas somos igualmente comodistas e preguiçosos se imaginamos que algo seja capaz de mudar somente pelos braços de outras pessoas. A capacidade de pensar é igual para a grande maioria das pessoas, e se negar a exercitar tamanha dádiva é tão condenável quanto qualquer manobra política pela impunidade. Somos cúmplices se não nos prontificamos a tentar (por mais difícil que seja) encontrar um caminho, uma nova via, uma possibilidade de mobilização que atinja diretamente essa corja de salafrários. Se será agora, daqui a um, cinco ou dez anos, não importa. As crianças estão aí, e nossa função (da minha geração em especial, que já está sendo ultrapassada por uma nova) é trazer a quem chegou o esclarecimento necessário para a compreensão da importância de saber o quê e como fazer. Política é chato sim, se a gente continuar a levar o assunto como um tabu, ou ainda bandeirar sobre ideologias que notoriamente não existem no Brasil. É fato: temos aqui uma briga pelo poder, e só isso.

Qualquer coisa (ideia, mobilização, reivindicação ou o que seja) que envolva o bem comum já será uma novidade. E não é isso o que de fato nos interessa?

Curtindo?

Eu saí porque tinha cansado. Tinha cansado dos mimimis.

Foi assim que uma amiga justificou sua desistência do Facebook (substitua por sua rede social de preferência, acho que a análise não se restringe especificamente a um nome – isso vem desde o agora moribundo Orkut). Essa asca de redes sociais não é exclusividade dela, muito pelo contrário. Eu mesmo desisti do twitter já faz um bom tempo, me recusei enquanto pude a entrar no tal G+ (e só tenho uma conta lá hoje pra poder utilizar melhor o tal Hangouts – o substituto do Google Talk, já que o MSN desapareceu, e o ICQ então, coitado…), e tenho um celular do tempo das cavernas que deveria ser um smartphone há muito tempo – mas momentaneamente me falta dinheiro, e as prioridades reais ainda prevalecem ante o anseio tecnológico.

Mas culpar a tecnologia é um expediente muito cômodo. Ela funciona sim num avanço contínuo e infinito, de forma cada vez mais rápida, e com a capacidade de escravizar os que vêem no consumo um meio de auto-afirmação. Mais do que isso: as tendências criadas pelos mais influentes – os tais formadores de opinião – ditam regra inclusive aos que não podem bancá-la, mas não querem ficar de fora. No final das contas, a popularizamos, mas não utilizamos nem sequer metade àquilo que de fato se destinam. Não que isso seja novidade: quem conseguia programar um vídeo-cassete? utilizava todas as funções do forno com grill? as lavagens de roupa diferenciadas?

Vivemos um tempo bizarro de adestramento tecnológico.

Saímos por aí imitando hábitos que sequer se justificam, numa propagação bisonha de porra nenhuma. E no fim das contas, colocamos a culpa no Facebook (e no meu caso, por exemplo, no twitter). Talvez por em algum momento termos entendido o conceito da tal globalização, tão pregada há anos. Porém, um universo sem fronteiras não é necessariamente um universo sem portas e janelas. Mais do que todos compreendermos que de fato vivemos debaixo do mesmo céu, é preciso lembrar que “sermos matéria” consiste em ocuparmos espaços. Delimitarmos territórios. Não, a ideia não é um universo de microcosmos, mas que voltemos a ser donos do nosso próprio espaço. Para isso, a primeira coisa a fazer é justamente… termos um.

Porque aparentemente o que acontece cada vez mais é uma necessidade constante e crescente de vivermos nossa vida pros outros, muito mais do que pra gente. Será que de fato me importa saber se você está brava porque pegou trânsito na terça de manhã? Se você acha esse grafite inspirador? Que o frio te faz espirrar e ter dor de cabeça? Que você não aguenta mais seu emprego (e isso acontece todos os dias)? Acho que não, meu amigo… esses são problemas seus, e não assunto público. Mude o trajeto (ou o veículo), tome pra si suas próprias lições, compre um antigripal e peça demissão se for o caso. Serão quatro reclamações a menos infestando a vida alheia, e você muito menos amargo aos olhos de quem tanto te faz querer impressionar. Existe uma emergência absurda – e uma energia enorme gasta – em ser durante todo o tempo uma série de coisas. Todas, ao mesmo tempo:

1) O formador de opinião;
2) O mais sexy;
3) O gourmet;
4) O piadista;
5) O politizado;
6) O repórter que dá o furo (na inocência);
7) O cara deitado no divã do analista.

(Troquem os Os por As sempre que quiserem)

Aquela coisa infantilóide de ser o mais popular da turma se transformou nessa rotina bitolada de cliques a esmo. Curtimos 150 vezes por dia, compartilhamos outras 50, mas não temos a capacidade de ligar pra um desses 600 amigos pra marcar uma cerveja. Damos uma importância absurda à qualidade da câmera e trocentos filtros do smartphone (que nos permitem ser ainda mais ativos nas redes), mas não somos capazes de colocarmos o danado na orelha e perguntar se o tal amigo que fica espirrando em dias frios está melhor quando o sol enfim deu as caras. Viramos essa coisa insípida, o tal admirável mundo novo – porém, cercados de status vazios, propagandas enganosas e sabedoria descartáveis.

E a propagação disso tudo, feita sem pensar, não reflete aquilo que crescemos aprendendo: pensar antes de falar, procurar saber se é verdade, se perguntar se o cara do lado (e são tantos nesse universo) de fato precisa ouvir, ou ler, ou saber daquilo. No fim, nossas mãos viraram verdadeiras metralhadoras, em busca de uma visibilidade mais frequente, de discussões mais acaloradas sobre o tema do dia, essas coisas… fora da tela (grande ou pequena), nossos outros órgãos refletem a mesma urgência e estupidez: o peito ansioso por saber o que fulano escreveu no mural, a boca se presta a uma verborragia assustadora que faz do mundo seu analista, e os ouvidos praticam o desapego, ignorando a localização física do cérebro entre as duas orelhas.

Dá pra entender a asca da minha amiga. Mas acho que o problema não tem a ver com o Facebook na função de rede social (uma sociedade que não se vê, não se fala, não se cheira e não se vive é uma sociedade que a gente deve duvidar) – mas sim enquanto agente de propagação dessa rotina vazia que cada dia mais nos deprime, mas que não mexemos uma palha pra mudar. É uma pena… pernas, braços, cabeça e coração continuam, até onde imagino, com as mesmas funções que sempre tiveram nesses últimos 2000 anos.

Porém, nesse momento, com utilização bastante limitada. E a culpa é nossa.

Odiemos

(Não se desespere, meu amigo/minha amiga. Apesar de parecer, este não será um texto sobre futebol)

E eis que há pouco (passa das 2h da manhã) o São Paulo levou uma verdadeira sarrafada do Galo pela Libertadores, num 4×1 digno de valer o mais caro dos ingressos lá no Independência.

Instantaneamente a torcida tricolor, (justamente) emputecida com o resultado, invadiu as redes sociais – que imagino, sejam todas as possíveis, mas eu só tenho Facebook então vou me basear por ele – vociferando a plenos pulmões contra quem quisesse rir da desgraça alheia, e tripudiar o momento notoriamente vexatório. Não é a primeira vez que eu abordo esse assunto, portanto vale retomar o raciocínio após algum tempo, visto que nada mudou (no comportamento do ser humano – amigo sãopaulino, nada pessoal, e continue lendo para comprovar minha linha de raciocínio).

Torcer tornou-se um problema que vai muito além da paixão clubística. O cenário que se tem é de uma ode ao preconceito, disfarçada de paixão: ladrão, viado, pobre, burro, preto, velho, paraíba – a metralhadora giratória não tem mais a ver com a rivalidade pela rivalidade. Essa, sadia e saudável, tolerante e inteligente, foi exilada em algum canto civilizado do mundo. Os costumes foram banalizados e engarrafados, sendo hoje produto do marketing desse futebol moderno cada vez mais esterilizado. E os ataques são direcionados a algo que vai muito além da camisa – por sinal, a camisa é pretexto.

Começando pelo comportamento vendido (e comprado) pelas torcidas, onde tudo é proibido ante a descaracterização do modelo proposto ao torcedor/cidadão atual – que não pode levar bandeira, beber seu chopp, comprar um acarajé, xingar o juíz, rivalizar. Todos os movimentos são pensados e cada agremiação aplica e segue uma linha de comportamento. No caso do meu time, não podemos torcer contra, pois nos tornamos os “anti” (fruto de nossa própria criação, num claro exemplo Frankenstein de imbecilização de massas). Assim como tivemos o já conhecido “torcer pro São Paulo é uma grande moleza“, que colocava a equipe tricolor acima do bem e do mal – e por aí vai. Assim, vamos construindo uma geração de débeis mentais, que odeiam por odiar, e vomitam seus absurdos sem entender o porquê de algum dia aquela bandeira pela qual esbravejam ter se tornado grande – e a grandeza de uma equipe e sua torcida é um resultado histórico do embate e rivalidade com outros de mesma importância, ponto.

Se a gente olhar de fora, vai notar que o mesmo acontece além dos limites de campo, o tempo todo. Deixemos o futebol de lado (e eu adoro usá-lo como metáfora pro cotidiano – acostumem-se). Os tais embates religiosos, a afirmação convicta da culpa sem a prova, a mudança imediata de leis devido a determinado acontecimento, o populismo de capa de revista – tudo isso tem seguido um script um tanto óbvio, que sugere a sequência “impacto, discórdia, disseminação“. Em segundos, uma multidão toma partido em espalhar a foto do cara desaparecido, da mulher/perua/vaca que bateu no carro de fulano, do político corrupto do partido azul, do político corrupto do partido vermelho, do ciclista atropelado pelo taxista filho da puta. Um mundo caótico, de causas defendidas cegamente sem que sequer se tome partido de onde saiu aquilo tudo: o cara realmente desapareceu? A mulher/perua/vaca não teria tomado uma fechada de algum playboy? Partidarismo… sério mesmo, a essa altura do campeonato? O tal ciclista prestou atenção ao semáforo? Ninguém sabe, mas todo mundo opina e defende a causa com sangue e ódio a quem se opõe. Sem apontar culpados, o exercício aqui é o da hipótese. E ela sempre existe no plural.

Assim, vamos vivendo. Dando importância absurda a causas que não são nossas. O que nos caberia, pra falar bem a verdade, é simplesmente nos esforçarmos em sermos bons, e aprendermos com os contextos:

– Meu time perdeu? Aspirina e fones de ouvido pro dia seguinte…
– Meu time ganhou? Vou cornetar geral, dar risada e beber com todo mundo no fim de tarde!
– Vou ajudar sim – quem eu conheço, ou quem notoriamente precisa.
– Se eu não concordo, eu argumento. Berrar dá uma dor de garganta do cão.
– O porteiro merece atenção. A faxineira também. Tá todo mundo trabalhando.

Fazer parte daquilo que é seu, e saber que não se resolve nada reclamando, desmerecendo e humilhando quem não está na mesma estrada, na mesma direção ou com o mesmo pensamento que você. No dia em que a gente aprender a viver e conviver com as diferenças (sejam elas futebolísticas, religiosas, políticas, sexuais e o escambau), talvez possamos nos tornar aptos a discuti-las. Até lá, essa enxurrada de intolerância e ignorância sem fundamento vai infestar nossos cotidianos. E não será contra-atacando que a gente vai chegar a um lugar melhor. Sejamos sensatos (e bem-humorados, quando for o caso – e normalmente é).

A gente está se especializando em complicar tudo. Até futebol.