J.*

Quando você diz que trabalha por conta, quem vê de fora pode pensar “esse cara amansou a vida… trabalhando de pijama, com horário que quiser e direito a soneca no meio da tarde”. Essas coisas existem sim, é uma opção da qual eu não pretendo mais abrir mão, a não ser que algo realmente extraordinário aconteça.

Porém, nem tudo são flores. Você, além de ilustrador/designer (meu caso), vira comercial, atendimento, planejamento, enfim… todo tipo de coisa que o serviço demande. E merdas acontecem. A história a seguir acaba de ter um desfecho – favorável a mim, obviamente (e isso não é soberba – os fatos comprovam os porquês), mas desde o dia em que eu me meti nessa vida, foi sem dúvida a maior dor de cabeça que já tive. A narrativa tem como foco principal os MEUS erros, pois se a coisa chegou nesse ponto, foi principalmente pelo fato de eu, em algum momento, ter desrespeitado meu próprio trabalho (sim, o cliente não é obrigado a saber se você é profissional ou não – sua imagem quem faz é você, e a minha eu destruí com essa sujeita).

Aos fatos:

Existia a J.. Uma cliente que um dia pediu um orçamento, que contemplava ILUSTRAÇÕES, IDENTIDADE VISUAL e INTERFACE DE SITE. Fizemos a primeira reunião (presencial, coisa que eu acho totalmente dispensável, quando se tem um projeto definido). Porém, ao chegar para o tal almoço, recebi como briefing para o terceiro item solicitado a imagem abaixo. Riam o quanto quiserem, e acreditem: esse era o material dela. Mas eu mereço o que vem a seguir, pois quem aceitou essa porcaria fui eu.

Sim, “isso” era meu briefing.

Sim, “isso” era meu briefing.

PRIMEIRO ERRO:
– VOCÊ É PROFISSIONAL, NÃO CASA DE AUXÍLIO.

Acreditando que aquilo era o melhor que ela podia oferecer, e que as ideias faziam sentido, pensei “ah, simbora… a coitada pelo menos tentou mostrar o que imagina”. Peguei o job – orcei dois meses pra entrega total de todas as peças – e dias depois, comecei a trabalhar. O ponto inicial foram as ilustrações. Público infantil, contos de fada misturados, parecia uma boa. Elaborei as peças e enviei a primeira leva. Agradou, mas o retorno de fato foi “eu queria tentar outras coisas”. Começou o festival de alterações.

SEGUNDO ERRO:
– ALTERAÇÃO TEM LIMITE. COBRE OS EXCEDENTES.

E minha caixa de e-mail virou um gramado onde as mensagens e os arquivos se tornaram verdadeiros bumerangues. O trabalho não acabava, o prazo indo embora, minhas férias chegando e nada que agradasse a dita cuja. E tudo isso por um motivo: ela NÃO SABIA O QUE QUERIA, e resolveu descobrir durante o projeto. Na minha proposta (enviada antes do início dos trabalhos), existe uma cláusula que limita essas alterações e retrabalhos. Eu, bestamente, resolvi ignorá-la, “tentando manter as boas relações com a cliente”. Burrice. Já diria o Arnaldo, a regra é clara: se tá escrito, você cumpre. Eu não cumpri, e levei na cabeça.

Três meses depois do início dos trabalhos (e com as ilustras finalizadas, enfim), saí de férias. Porém, dada a zona constituída, pedi um adiantamento do valor total. Pagamento efetuado, viajei. Voltei após 3 semanas e retomei os trabalhos, agora partindo pra segunda parte: o logo.

TERCEIRO ERRO:
– ERRAR UMA VEZ É HUMANO. DUAS, É PURA BURRICE.

Que eu enviei uma vez. Duas. Três. SETE. E a tal J., que continuava sem saber o que queria, resolveu por conta própria FAZER o próprio logo (leia-se por “fazer” desconstruir minha criação, e de um fragmento me enviar instruções pra “ajeitar aquilo”). Foi a gota d’água. Os dois meses já eram seis, e eu resolvi pedir as contas. Segue abaixo a sequência de emails (os dela, com todos os erros gramaticais, inclusive):

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J., bom dia.

Tendo em vista o último contato que tivemos, recebi com surpresa o envio da peça – até então desenvolvida por mim – completamente descaracterizada e agora desenvolvida por você, e a solicitação para que eu “acertasse” as imperfeições da mesma.

Gostaria de esclarecer que todo o trabalho desenvolvido para você ou qualquer outro cliente é feito tendo por base um estudo bastante embasado quanto ao desenvolvimento de cada peça – seja ela qual for – para que cada uma cumpra sua devida função com a devida propriedade. Fontes, cores, formas e composições devem fazer sentido em qualquer contexto em que possam ser utilizadas (e são muitos).

Porém, a desconstrução de praticamente todas as peças até então desenvolvidas (foram muitas as refações em cada uma das ilustrações – porém todas devidamente atendidas, e nenhuma delas cobrada com os adicionais que constavam na proposta inicial – visando inclusive a satisfação do cliente acima de qualquer fundamentação financeira – às vezes prefiro abrir mão da minha parte para que o processo flua de forma mais tranquila – situação que dessa vez funcionou de forma inversa), culminando nessa última solicitação me esclareceram que meus trabalhos não têm sido validados da forma como são concebidos – e nesse ponto, quando uma peça (no caso, o logo) vem do cliente para o ilustrador, creio eu, esteja invalidando o caráter ao que o trabalho se propõe, que é de um oferecimento de serviços qualificados de contratado para contratante – necessariamente nessa ordem -, tanto em prazos quanto em resultados.

Sendo assim, gostaria de encerrar nosso vínculo de trabalho, com a quitação dos pagamentos restantes quanto às ilustrações (o logo, a composição para o site e uma das ilustrações que não foi entregue serão descontadas do orçamento inicial, estando os custos totais relativos ao montante do projeto executado descritos no PDF em anexo). Quando desse pagamento, repasso a você os arquivos-fonte das peças em questão, para que o próximo profissional que venha a atendê-la no momento seguinte possa continuar os trabalhos com a qualidade que notoriamente não estou atingindo a seus olhos nesse momento.

Agradeço novamente a oportunidade, e fico no aguardo de um feedback relativo a essas pendências.

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Masili, boa tarde.

Conforme o seu último e-mail, em 03/05/2013, diante do seu pedido de encerramento do trabalho peço que voce deposite o valor que eu paguei, uma vez que nao recebi nenhum dos itens da proposta cocluidos.
Os dados para o deposito de R$[valor] sao:
[dados bancários]
J. C. M.

Sem Mais,
J.

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J., as ilustrações de oito dos nove personagens que você pediu não foram entregues?

Aguardo resposta, e o pagamento do montante pendente.

Obrigado.

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Nao recebi nenhum arquivo em alta resolução muito menos a arte completa com todos os personagens, pedido este feito por mim desde janeiro deste ano.
Quem aguarda receber por algo que pagou e nao obteve sou eu.
Tomarei as medidas necessárias para reaver o que paguei.

Át.

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J., por favor leia o que lhe foi enviado anteriormente.

Conforme ESPECIFICADO no primeiro email enviado, essas artes lhe serão enviadas (e de fato serão, uma vez que não tenho o porquê lhe prometer algo, lhe cobrar e não entregar – não faria o menor sentido), em arquivos editáveis inclusive (para Illustrator, e os PDFs em alta) assim que o restante do pagamento igualmente especificado no PDF que lhe enviei em anexo for depositado. Os arquivos em baixa foram enviados somente para aprovação, e assim cumpriram seu papel.

J., estou tratando o assunto de modo profissional desde o início desse projeto, e fazendo o mesmo nesse momento em, que por todos os motivos especificados, estou abrindo mão da continuidade do mesmo – em prol da sua satisfação enquanto cliente, e da minha comprovada não-satisfação por sua parte quanto à prestação de serviços.

Não pretendo tomar nenhuma medida necessária, senão o bom senso quanto à quitação de débitos dos meus serviços, e a entrega do material em que trabalhei, recebi e aguardo a quitação. Espero o mesmo de você.

Obrigado.

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Obviamente, o bom senso que eu tentei prezar, o dinheiro que não cobrei, e toda a educação que mantive foram pro espaço quando chegou aqui em casa a tal intimação judicial. E do envelope ao tribunal, foram-se 45 dias de espera e uma úlcera me corroendo de raiva, por ter investido tanta confiança numa sujeita tão baixa.

Aí esperei a audiência. Me aconselhei com amigos, clientes, esposa, mãe, cachorro… tomei meu calmante e fui trombar a dita cuja. Abri mão do dinheiro restante proporcional ao trabalho que havia executado, com duas condições: que ela não usasse aquela coisa que ela fez, e que chamou de logo; e que sumisse da minha vida pra sempre. Ela deu de ombros e esperneou que queria o dinheiro de volta. Round 2 a caminho.

Que hoje, dia 20 de dezembro, terminou. E eu ganhei.

E que hoje, dia 14 de maio de 2014, A PESTE ME PAGOU O QUE DEVIA, PORQUE DEVIA.

Com isso, amiguinhos, ficam aqui as lições aprendidas com meus erros:

1) NÃO DESRESPEITE SEU PRÓPRIO TRABALHO
O que vale um, vale um. O que vale mil, vale mil. E é em cima disso que se deve trabalhar. Nada de sair por aí fazendo caridade, a não ser em casos especiais e com 100% de procedência. O ser humano é filho da puta até que se prove o contrário.

2) SÓ COMPRE A BRIGA SE ELA VALE A PENA
Não vale a pena perder tempo e saúde com quem não sabe ler. Ou fazer um briefing. Ou fechar um projeto. Tem gente que não empreende: se aventura. Lembre-se… os que acompanham o Indiana Jones só se fodem o filme inteiro, pra ou morrerem pelo caminho, ou serem comidos por ele no final. Opções, ambas, que eu acho bastante inadequadas.

3) NEM TODO DINHEIRO É VERDE
Se achar que não vale a pena, não abrace. Saber filtrar talvez tenha sido a maior lição que eu levei dessa história toda. Às vezes é melhor esperar comendo um miojo quentinho, do que cair de boca num filé frio e duro.

4) MANTENHA A LINHA
Gente burra perde a razão no calor do momento, e na própria falta de projeto. Deixe o fulano se foder sozinho. Sim, eu sei… isso vindo de mim é difícil de acreditar, mas o tempo (e a idade, e minha esposa) me ensinaram. Tome uma cerveja, esfrie a cabeça e retome o raciocínio. É mais engraçado e saudável quando o cachorro morde o próprio rabo.

5) CONTINUE A NADAR
Pra esquecer um episódio ruim, viva um bom. E preferencialmente, nas próximas peneiras, escolha somente os bons. Tire os aventureiros do caminho, porque nada nessa vida traz mais retorno profissional do que um cliente satisfeito. E fico feliz de ter vivido uma exceção: pra aprender, e deixar de ser burro (comprometendo um orçamento pequeno, e um cliente que não valia metade do respeito que empreguei).

Fim da história. Fiquem à vontade para matar dúvidas nos comentários.

* O nome da infeliz foi propositalmente ocultado, bem como o da sua pseudo-marca. Questão de bom senso – e educação, reforçando o item 4 das lições aprendidas.