As figurinhas

Era pra ser mais ou menos um presente de aniversário. Eram 23h, o sono chegando, e aquela mensagem lá em cima do Facebook, avisando que faltava uma hora pra vencer a data. O cara é camarada, você não tá muito inspirado pra escrever algo especial, mas odeia quando acontece o inverso e neguinho esquece dos teus festejos. Lembrei da caricatura que tinha do sujeito aqui – que eu fiz pro casamento dele (e que eu mesmo não fui – relapso ao cubo, e uma mea culpa a ser feita pro resto da vida). Aí a lampadinha acende: “cacete, é época de Copa e o amigo é corinthiano (graças ao bom Deus) – vamos fazer uma figurinha”.

Foi coisa rápida, dado que a coleção da Panini vinha embalada. Monta template, iguala os efeitos, encaixa o desenhinho e taí, pimba. Publiquei no Facebook do cara, e ele curtiu tanto que virou sua nova foto de perfil. Me senti honrado, daqueles pequenos prazeres que só quem desenha entende e sabe. Na empolgação, lembrei que não ME desenhava há tempos. Bora fazer uma minha também. Joga no perfil. Like. Like. Like. Like. Like. Like. Like. Faz pra mim. Quanto custa? Também quero. E eu também. Também. Like. Like.

E a tal lampadinha virou holofote.

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Resumindo a história: de um momento de carinho pintou uma baita oportunidade de juntar numa mesma empreitada trabalho E diversão. Sim, porque eu sempre gostei de desenhar meus amigos – a gente curte cuidar de quem gosta, ou estou falando besteira? Mas o engraçado é a coisa ter virado esse tsunami. Porque os amigos dos amigos pedem. E fulano quer uma imagem da família toda, enquanto outro quer dar de presente pro filho a figurinha especial que ainda falta no álbum dele. Uma diversão declarada, que a gente vez ou outra na vida já participou – fosse agora, ou há anos, quando ainda éramos crianças. No fim das contas, e entre tantas preocupações da vida adulta, a gente lembra que o tal espírito que Copas e Olimpíadas carregam é justamente esse – de reunir família, amigos e por alguns minutos, a gente se preocupar apenas em se divertir. Juntos.

Por sorte, acaso ou oportunidade (e quem sabe, uma feliz equação dos três), esse meu álbum tem ganho páginas e páginas de velhos e novos amigos. Com a feliz possibilidade de nunca ser plenamente completado.

*Se você quiser fazer parte desse projeto também, me escreva no [marcelo@masili.com.br]. Inclua os seguintes dados no e-mail: nome que vai na figurinha, time do coração, seleção que será a camisa (pode ser qualquer uma, inclusive de fora da Copa), e data de nascimento completa. Eu respondo, com orçamento e simpatia. Aos que já estão cadastrados: eu monto uma fila por ordem de chegada, e assim que começo a desenhar, envio os dados pra depósito – assim pagamento e trabalho rolam juntos, e todo mundo fica feliz.

Os braços abertos

Nesse final de semana São Paulo teve mais uma Virada Cultural, e a Neguinha* foi tocar por lá com o seu Samba de Bolso no evento. Eu nem sou chegado a samba, não preciso nem dizer. Mas ela canta bem demais, a música é boa, e a amizade transcende esses detalhes. Fomos. Chegando lá no centrão, paramos o carro por perto, e fomos nos informar com os policiais da redondeza onde ficava o tal “Palco Braços Abertos”.

– “É ali atrás, na Cracolândia”. – me respondeu a solícita e sorridente PM.

Bateu um frio na barriga. Óbvio, porque a gente – por mais distante que esteja, SABE o que é a Cracolândia**. Fomos andando, e chegamos ao pequeno palco, montado quase em cima da calçada de uma rua, que quando atravessada dava diretamente no bloco onde “os moradores do lugar” ficam zanzando. A gente realmente não sabia o que fazer. Éramos poucos ali, talvez uns 20 ou 30 visitantes, e o samba começando a rolar com a Neguinha toda sorridente e mais branca que geladeira (porque ela é assim, branquinha-branquinha mesmo), cantando sobre alegria e esperança.

Era muita informação. Eu confesso que por alguns minutos me perdi, pra tentar entender o que estava acontecendo. O frio na barriga virou coração apertado.

Esqueçam problemas técnicos, som pipocando, microfonia. Ao olhar pra trás, o que a gente via era um bloco de pessoas espremidas num quarteirão, sem rumo (literalmente, o “zanzar” é o verbo que melhor definia seu movimento). Alguns ficavam um pouco distantes da gente – éramos “as visitas”, num território que em nada conhecíamos – enquanto outros entraram no samba e foram ali pra frente, dançar e curtir aquele momento diferente. Me parecia um absurdo, até um certo exibicionismo dos responsáveis pela Virada “enfiar ali um palco”. Eu não entendia aquilo, mas nesse momento você entra em conflito com sua própria ignorância. Aquilo não é uma prisão, é uma rua. Aquelas pessoas são pessoas, como você, que vieram de uma mãe, de um pai, e que seguiram um curso infeliz demais, que desencadeou naquela coisa que eu não conseguia definir o que era. E elas estavam ali, pacíficas e alienadas, algumas completamente desconectadas daquele momento, outras se deixando divertir em cada música. Elas estavam ali porque elas não fazem parte de qualquer outro contexto – fosse por elas, fosse por aqueles que eram suas famílias, companheiros, amigos. Elas estão perdidas, e reunidas num lugar que a gente chama de Cracolândia, mas que é uma rua. Uma rua igual a tantas outras, em que tanta gente vive por aí, seja pelo motivo que for. E elas – ou algumas várias delas – estavam dançando. Elas pareciam um pouco mais felizes do quando a gente as vê na TV, com a cara pixelada e voz distorcida.

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Não sei se existe contexto, pois a cidade é a mesma, e achar que elas, ou o palco, ou a prefeitura, ou quem fosse “estava fora de contexto” foi minha primeira briga pessoal comigo mesmo. Perguntei se a Dé queria ir embora, e ela não queria, E nem eu queria, e cacete, não havia motivo pra ir embora dali, porque a realidade pode ser feia, cheirar mal, ser incompreensível, mas cacete, quanto disso também não é culpa minha por justamente me excluir de saber o que fazer com essas pessoas (e com todas as outras, quando a gente fala “da nossa comunidade“, “da nossa cidade“, “do nosso país“). O que é de fato esse “nosso“? Nosso é “aquilo que é de todos nós“, e as pessoas não se diferenciam quando falamos de todos, pois uma daquelas moças estava tentando ensinar a um de nós, “visitantes”, como sambar. Ali, na minha frente. Não havia nada de errado na alegria de ambas, por mais distantes que fossem as suas realidades. E eram MUITO distantes, acredite.

Foi aproximadamente uma hora de show. As músicas foram muito bem escolhidas, pra variar – a banda é ótima, a Neguinha nunca escolheria parceiros ruins com o talento que ela tem. Mas foi acima de tudo uma experiência aquilo tudo, que eu ainda não consigo entender. Ela me contou depois do show que aquilo faz parte de um projeto do governo que não fica só na Virada Cultural, mas cuja amplitude é bem maior. Eu fiquei feliz, preciso entender do quê se trata pra tentar limpar um pouco minha mente e talvez cultivar um pouco mais de esperança. É daquelas iniciativas que não geram votos, porque não nos atingem diretamente – afinal, se você está lendo esse texto de um blog, possivelmente sua vida não é baseada em crack – não existe wi-fi na Cracolândia. Mas são mais importantes do que novas estações de metrô, estádios de futebol, centros culturais. Não existe melhoria na mobilidade urbana, quando se tropeça em gente pelas sarjetas. Acho que as prioridades existem sim, mas antes de qualquer uma está a dignidade do ser humano (por mais difícil que seja pra gente enxergar isso – seja quando o trânsito pára, quando um aumento é anunciado, entre tantos abusos que tanto incomodam a gente antes desse negócio todo).

Mas lembro bem de todos os dias ler gente defendendo partido A ou B como se fosse partida de futebol. De descerem o pau em projetos que a gente mal sabe o que propõem. Eu não sei se o tal “Braços Abertos” já foi um dia chamado de “Bolsa Crack” ou coisa do tipo, mas acho que sim. Se foi, eu digo: que seja. Eu não sei se é o jeito certo, o jeito errado, mas alguém está fazendo alguma coisa. Aquelas pessoas precisam de ajuda. Elas precisam se sentir humanas, porque ninguém tem culpa de escolher o caminho errado. Eu já perdi gente muito próxima por causa de droga. Eu perdi um pai que priorizou o vício à própria saúde. Quem sou eu pra comparar minhas pontuais experiências de vida à realidade COTIDIANA daqueles adultos, crianças, velhinhos? As pessoas erram. Eu errei julgando aquelas pessoas e aquele lugar, que até agora não entendo como funciona e de que forma – então sim, eu também preciso de ajuda – uma ajuda que eu sou capaz de alcançar ME educando.

Eu não sei qual o tratamento que um dependente precisa. Eu acho que o mundo não precisa de manicômios, como a Beta fez questão de afirmar durante toda a semana num movimento que rolou no Rio durante esse fim de semana. Acho que um lugar chamado Cracolândia não devia existir sob nenhum contexto. E mais do que tudo: eu admito que sou (e sempre serei) muito ignorante, e que julgar qualquer coisa ou pessoa sem o mínimo de conhecimento é de uma leviandade absurda. É desumano. É burro. E eu sou tudo isso, quando faço e insisto numa posição que eu tive a felicidade de abrir mão ao ter um mínimo e distante contato com uma das coisas das quais tinha medo – e que a partir de agora, farão parte de um contexto que eu espero não mais esquecer. A gente é naturalmente ignorante, e por isso mesmo, toda informação sempre será pouca. Fechar juízo é desistir de pensar, e por muito tempo eu fui assim. Não sou (e não serei) mais.

Sei que vi gente que teve um mínimo de felicidade naquele intervalinho de tempo. Gente que pôde ser tão feliz quanto eu, mas que após a hora seguinte tomou pedrada de granizo na cabeça, enquanto eu estava abrigado no meu apartamento quentinho.

E isso não é um pensamento reconfortante, mas MUITO perturbador.

* Queria agradecer publicamente a você e a toda a tua banda, que me proporcionaram uma das experiências mais intensas que tive na vida. E espero que ela renda frutos na minha cabeça pra um futuro nem um pouco distante. Num mundo tão impessoal, eu preciso sim agradecer a quem é capaz de reumanizar as pessoas – e que abençoados vocês, que trouxeram um pouco de vida pra tanta gente ontem. Foi muito bonito mesmo.

** A Cracolândia é um lugar localizado entre a Alameda Dino Bueno e Rua Helvétia, no centrão, perto da Estação Júlio Prestes. E apesar do nome altamente pejorativo, é isso mesmo: um lugar onde ficam os dependentes de crack. Eu preferi usar o termo pra deixar claro onde e como estão as coisas ali, pois acho igualmente babaca você chamar um mendigo de morador de rua. É aliviar uma expressão que te dói o ouvido, por você, eu e todos nós termos responsabilidade direta em continuarmos marginalizando essas pessoas.

Dream A Little Dream Of Me

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Você é pequeno e não sabe o que quer da vida. Criança sonha, e quem não sonhou em ser alguma coisa diferente daquilo que é hoje? Obviamente, meu primeiro sonho não era ser desenhista, mas sim atacante do Corinthians, pra poder jogar com o Sócrates.

Porém, ser desenhista sempre foi opção E sonho. Que acabei correndo atrás, não porque quis, mas porque meus caminhos (que não serão descritos nesse pequeno texto) me trouxeram pra cá – inevitavelmente, o único lugar que eu em que me sinto plenamente confortável, realizado e feliz. Estabelecendo-se num lugar e numa posição, às vezes a gente sonha de novo. E eu sonhei.

Sonhei que um dia queria realizar 3 coisas, que aos olhos de muita gente podem parecer besteira: ilustrar uma capa de disco, um livro infantil e uma capa de livro. Nada de ficar famoso, encher o rabo de grana, sair por aí arrotando sucesso, e falando bem de tudo aquilo o que os outros mortais não viveram. Nada disso… a versão low profile é muito mais bacana. As coisas mundanas mais simples sempre acabam se mostrando mais significativas, e eu gosto muito dessa simplicidade. Três sonhos sim, razoavelmente ambiciosos, mas perfeitamente alcançáveis. Muito que bem.

Há um tempo eu realizei o primeiro, quando fiz a capa pro disco do Renato Godá. Não é “aquele artista” que participa do Domingão do Faustão, e isso não fez a menor diferença pra mim. Foram idas e vindas, se eu não me engano 8 ou 9 versões do mesmo desenho. É sempre assim, porque sim – a gente não acerta de primeira na vida, é uma lição universal (convenhamos: o Sócrates tinha o Palhinha, o Edmar, mas nunca fez um passe pro Masili – eu entendi o recado). A satisfação de entrar numa FNAC e pegar na mão o disco com a tua capa foi das coisas mais legais que já vivi. Meu pai ainda era vivo, eu dividi isso com ele também. Foi incrível.

Realizar um sonho é chegar lá. É ter mirado alguma coisa na vida, e acertado em cheio depois de suar pra descobrir e entender o caminho. Se a gente não sonha, se torna alguém vazio, sem propósito, personalidade, sem nada – e deve ser uma merda ser assim. Cada um sonha o que quer, e quem compra a briga sabe a recompensa que o espera.

Tudo isso pra enfim dizer que o segundo (e quase o terceiro – a capa é minha, mas com ressalvas, então ainda não considero esse sonho plenamente realizado simplesmente por ser um chato) são agora uma realidade também. Durante esse último mês estive envolvido num projeto delicioso, que com várias idas e vindas (e melhorias – é bom que se diga que nessa minha zona de conforto, quanto mais se desenha, mais se aprimora) tomou corpo e está em fase de finalização neste exato momento. Eu queria quantificar minha felicidade, mas faltariam tuppewares no mundo pra guardar tanta coisa, então é melhor espalhar por aí mesmo. Eu vou poder pegar um livro na mão, e ao olhar pros desenhos, falar “é meu”. Não dá pra descrever o quanto eu quis isso na vida.

E como toda corrida tem pódio e banho de champanhe, a festa pelo lançamento do “Dançando com o Inimigo” tem data e hora pra acontecer. Reservem seu 31 de maio – é um sábado, a partir das 16h. Dividir esse momento com o maior número de amigos e pessoas queridas possível só faz com que eu tente entender o quanto sonhar valeu a pena. Obviamente, quero mais livros e capas de discos (porque continuam sendo peças que dominam meu imaginário), mas que legal – preciso de novos sonhos agora 🙂

Dançando com o Inimigo
Estreia dia 31 de maio
Livraria da Vila
Alameda Lorena, 1731 – Jardim Paulista
A partir das 16h

Em breve tem evento no Facebook, e essas coisas modernas. Mas por enquanto, vamos comunicando por aqui mesmo. Qualquer mudança (de datas, horários, locais ou tudo junto) eu republico. Mas sim, apareçam. E é isso!