O problema não é a Copa

Não mesmo.

A Copa virou o novo Cristo, pra deixar bem claro o quanto nos falta autocrítica nesses dias de hoje. E não, eu não vou defendê-la: acho sim que o país tem outras milhares de prioridades, e eu nunca a teria trazido pra cá enquanto todas elas não fossem sanadas; já trazida, acho absurdos os gastos desmedidos e descarados com os estádios SIM (inclusive com o do meu time, mas vou deixar o clubismo de fora desse texto), bem como o desperdício, as obras de estrutura prometidas e não cumpridas, e toda a revolta que ela gera nesse momento é PERFEITAMENTE justificável.

Mas não, o problema não é a Copa.

Só que a Copa é uma coisa que a gente – povo – “ganhou” do governo (e não da Fifa, é bom deixar claro sempre), e que nos é cobrada de forma totalmente indevida. O país do futuro quer exibir no presente aquilo que nunca foi no passado: um lugar de gente festeira (majoritariamente), com igualdade social, receptividade e educação indubitáveis. Um lugar que justifica nossa fama lá fora, lotado de mulheres seminuas, gente dançando nas ruas o tempo todo, bebendo e festejando até semáforo aberto. É isso que nossos comandantes (o Governo, e sim: a Fifa) querem que sejamos, e nos ameaçam das formas mais bizarras caso essas expectativas não sejam cumpridas.

Antes de falar disso, vamos enxergar a coisa sob outro prisma.

Safadões

A Copa é somente a afirmação macro de um modo de operação com o qual NOS ACOSTUMAMOS durante décadas, e aceitamos totalmente calados. Sim, me diga: qual a diferença entre as promessas da Copa e de qualquer campanha política? Compare a situação dos estádios com a dos hospitais, das avenidas, das obras de trânsito, educação… é exatamente a MESMA COISA: Promete-se que “serão construídas 20 coisas a preço x, com entrega y“; constrói-se 3, a preço x vezes 5, e entrega-se em y vezes 4. Assim como os aeroportos, que não serão entregues a tempo, também não foram o metrô, as escolas, as casas populares e tantas outras coisas.

E sim, meu amigo: apesar do governo não te citar em seus discursos durante o mandato vigente, você é igualmente responsável e comprometido com as obras, reformas e processos que ele assume como compromisso. Você votou naqueles caras, e os seus impostos continuam servindo pra que ele cumpra aquilo que assumiu. Igualzinho à Copa.

Então, se a Dilma e o Blatter estão te botando na roda, ameaçando prender geral quem resolver torcer o nariz pra Copa, entenda que os tais direitos democráticos (que a gente de fato tem, e estão explicadinhos no Código Civil) não funcionam somente pra um evento: funcionam pra vida. Se você acha ruim que a Copa será aqui e o governo não cumpre o que promete, desvia dinheiro, superfatura obra e faz e acontece sem licitação e o escambau, bacana – mas me prometa que daqui em diante sua postura será replicada quando você discutir o porquê de um hospital que demoraria 1 ano pra ficar pronto e que custa 2 milhões de Reais ficar pronto em 3, ao custo de 8. A revolta tem que ser a mesma, senão maior, para ser autêntica.

Caso contrário, você está bandeirando contra qualquer coisa. Uma bandeirada tão gratuita quanto discutir quem é melhor: PSDB ou PT. Se a Copa virou um pretexto pra gente assumir o conceito real de cidadania, tenha certeza: mesmo só daqui a 5 meses, a Copa de 2014 foi a melhor coisa que aconteceu a esse país nos últimos tempos.

P.S.: Em tempo – esse negócio de “vou torcer contra”, “não vou assistir” e blablablá é perfeitamente aceitável – afinal, é um estado democrático. Mas eu pessoalmente acho uma postura babaca, se tiver como função assumir nisso uma crítica velada contra o que quer que seja. Assistam “O dia em que meus pais saíram de férias“, e tentem manter acesa a chama dessa falácia – se ainda conseguirem.

São Paulo for dummies

Eu li os 460 programas imperdíveis listados pela Vejinha pra comemorar o aniversário de São Paulo. Como eu não tenho bolso pra fazer 80% deles (e acho que tem muita besteira listada ali no meio, e outras trocentas coisas boas, decentes e óbvias completamente esquecidas – por motivos que só a VejaSP e seu mundo de endinheirados wannabe conhece), resolvi listar minhas preferências pessoais – e que meu bolso consegue pagar. Nada de muito inovador… só uma listinha pra quem nunca veio pra cá fazer o basicão sem ter que vender o corpo pra conseguir voltar pra casa:

Passeie pela Paulista

Sim, é um clichê. Sim, é que nem ir pra Buenos Aires sem passear pela 9 de Julio, ou ir ao Rio sem passar por Copacabana. É pra inaugurar os trabalhos mesmo. É de graça. E dá pra fazer trocentas coisas legais por lá – de tomar uma cerveja no Puppy a comprar um livro (ou não) na Cultura do Conjunto Nacional. Tem banquinha de suco, feira de quinquilharia, bazar e o escambau, com muita entrada franca. Como o estacionamento por lá é uma bica, vá de metrô.

Se enfie na Augusta
De preferência, no meio da tarde de sábado, e fique por lá até de madrugada. É um outro planeta, com habitantes de todos os tipos, gostos e abordagens: branco, preto, japa, turco, judeu, gay, pobre, rico, hipster, punk, tiazona descolada e tiozão do pijama – sim, é assim que o mundo funciona… com todo mundo junto. E sim, chegue e vá de metrô.

Vá ao Pacaembu
Sim, ver um jogo do Timão. E em outros tempos, valia a pena ir ao Palestra assistir a Porcada. Chegue antes (e à pé), tome uma cerveja e assista à Gaviões agitando na Charles Muller. Entre, assista ao jogo de pé na arquibancada (verde ou amarela, tanto faz – ou no tobogã, que é o batismo de verdade) e berrando todos os palavrões possíveis pra esse filho da puta arrombado de juíz de merda. Na saída, peça o sanduba de pernil na barraquinha da tia.

Fuja da Vila Madalena, Jardins e essas porras
Pra encontrar esse povo já existe o Facebook. Se enfie nos bairros – de preferência, os coloniais. Brás, Moóca, Pompeia, Liberdade, e sim: Zona Leste, que é um dos lugares mais autênticos, legais e com cara de bairro de verdade na cidade. Sim, é ali que moram os juventinos, as empregadas, os bóia-frias, os pedreiros, os velhinhos imigrantes e toda essa gente que você não vê na novela. É a vida.

Sim, Centrão
Outro clichê. Mas sempre diverte. E lá você não encontra tantos lugares da moda (que bom). Porém, tem o Dog do Pedrinho, o Café Girondino e o Mercadão (sim, é inigualável, amigo que não conhece). Galeria do Rock é outro clichê necessário – já foi melhor, mas ainda vale uma visita. De novo: tudo com entrada grátis e sem gente torcendo o nariz se você tá com a camisa falsificada do Mengão. E sim: os melhores contrabandos tão ali do lado. Só descer a Porto Geral (que é outra experiência) e se enfiar na 25 de março.

Coma uma pizza na casa de alguém
Comprovado: não existe pizza melhor do que a que você pede em casa. Então vá à casa de um amigo paulista e mande esse cara pedir uma pizza. Ninguém mais vai em pizzaria, porque o trânsito não permite. E sim, na Camelo e na Bráz você pede a conta e eles te entregam o valor e uma colher – pra você arrancar seus olhos em seguida. Fuja dessa babaquice.

Vá pro interior
Não temos praia. Mas temos Itu, Sorocaba, Campinas, Embu, ABC e afins, e as estradas com suas peculiaridades gastronômicas, de lazer e etc. Sim, é mais rápido do que subir a Rebouças.

Procure programas originais
Festa de São Vito, feirinha boliviana, artistas da Paulista… tudo isso está aí há anos, sem patrocínio de whiskey nem hambúrguer gourmet. Converse com as pessoas nesses lugares – sim, paulistas sabem falar quando não estão mergulhados em seus smartphones.

Enfim, acho que por cima é isso. A cidade é gigante – cada habitante daria outras dicas e a gente nunca se repetiria. São Paulo é legal sim, Tem gente muito bacana aqui, muito boa também. Mas como em qualquer lugar, a gente precisa conhecer, escolher e saber o que quer. Como tudo na vida – que assim como São Paulo, não é fácil, mas a gente aprende a lidar.