Pra mudar, parte 1: o horário político

Dado que acabou a Copa (rolam lágrimas, rolo no chão de desespero), é hora de pensar no próximo grande evento do país: a tradicional eleição circense nacional. Dada a diarreia de coisas que pipocam por aí, resolvi fazer um negócio diferente, e ao invés de xingar vermelho ou amarelo, propor algumas mudanças no nosso modelo eleitoral e de gestão – que notoriamente está contaminado e cagado. Sendo assim, daqui em diante vou sugerir algumas coisas por aqui. Eu sei que não vai mudar nada, mas dane-se.

Pra começar, por que a gente paga R$300 numa camisa de futebol? Ou R$600 numa bolsa? Porque vendem, e a gente compra. E compra porque há todo um trabalho de marketing por trás desse processo. Pois muito bem: pra gente passar a comprar só o que precisa e com motivos, que tal limar o marketing e nos proteger de produtos defeituosos? Então a sugestão da vez diz respeito ao horário político, que pode funcionar de uma forma totalmente diferente – e muito mais interessante. Oito ítens, um novo cenário. Duvidam?

Foto pra causar polêmica

Foto pra causar polêmica

HORÁRIO POLÍTICO
Segue obrigatório, com uma hora de duração (senão a gente não assiste, convenhamos).

Formato:

– todas as promessas de campanha DEVEM SER CUMPRIDAS, funcionando o próprio horário político como documento de registro. Se elas dependerem “do que o governo anterior deixou”, não devem ser feitas. O não cumprimento dessas promessas acarreta em 4 ANOS DE SUSPENSÃO de qualquer cargo público, sendo O CANDIDATO E SEU PARTIDO INELEGÍVEIS nesse período. Sim, eleição equivale a entrevista de emprego: se você não cumpre, área. Sim, é radical. Mas sim, é pra levar a sério.

– todos os candidatos possuem o mesmo tempo de programa. Quanto mais candidatos, menos tempo (o que leva a disputa a uma possível polarização entre “situação” e “oposição”, com alianças mais explícitas e um menor número de candidatos);

– cenários, vinhetas e jingles são totalmente proibidos. Os candidatos devem tão e somente apresentar suas propostas com recursos audio-visuais semelhantes, num fundo neutro onde consta somente nome e número do sujeito. Sim, a disputa é de propostas, e não de quem gasta mais com marketing. O mesmo se aplica aos debates, que deverão ter presença e participação direta da população em pelo menos dois blocos;

– ataques, comparações e qualquer outro tipo de picuinha é totalmete vetada;

– dado que um cargo público visa O BEM COMUM, não há demérito algum em fulano aderir a determinada proposta de outro candidato. Sim, além de ser mais digno do que copiar e mudar o nome, deixa claro que o candidato possui senso crítico. Não dá vantagem nem tempo extra… só demonstra a humildade que um líder deve ter;

– candidatos a cargos menores devem ter no mínimo um minuto de programa, divididos durante todo o período de campanha. Suas plataformas, projetos e propostas devem constar em site próprio (padronizado entre todos, da mesma forma da propaganda eleitoral), que funcionarão documentalmente como o horário político, e ao final da campanha exibirão um balanço do que foi ou não aprovado, e por quais motivos – facilitando ao eleitor acompanhar o que o seu candidato fez ou não, e servindo de base pras próximas eleições.

– a participação no horário político se restringe aos candidatos, e seu conteúdo é TOTALMENTE VOLTADO às propostas, sem histórico político, pessoal e essas coisas que não fazem a menor diferença depois que fulano assume alguma coisa.

– boca de urna, comícios e afins continuam nos modelos atuais. As imagens dos mesmos são vetadas na propaganda eleitoral.

Bacana?

* E de novo: eu sei que não vai mudar nada – mas enquanto a gente não começar a cogitar novos modelos pros velhos costumes, vamos continuar discutindo vento e não saindo do lugar (que não tá nada bom, e nem apresenta grandes perspectivas). Ao invés de reclamar do vizinho, vamos botar a cabeça pra pensar e achar um raio de uma saída?

Teve Copa, e a gente nela

Calhou da gente assistir à Copa.

Oportunidade de comprar ingressos sem dor de cabeça e por um valor acessível para um evento desse porte, possibilidade de assistir jogos legais, e um bônus: conhecer a nova casa do meu time. Topamos, compramos e escolhemos o jogo – o campeão do grupo de Argentina e Nigéria contra o vice do grupo de França, Suíça e Equador. Por pouco o tal jogo não virou Nigéria x Equador, mas acabou dando a lógica (uma raridade nessa Copa), e fomos assistir aos Hermanos contra os Chocolates.

Antes, um esclarecimento necessário: vivem me perguntando o porquê de eu torcer pra Argentina, já que eles são nojentos, folgados, babacas, etc. A resposta é mais fácil do que se imagina: PORQUE SIM. Na Copa de 90, eu apanhei do meu pai por ter chorado após o gol do Caniggia. A única vez em que ele me bateu na vida. “Não é pra chorar por esse tipo de coisa, é estupidez”, me disse o cara que anos depois, com um comportamento de torcedor digno de um débil mental, me ensinou a odiar o São Paulo FC – o que por si só já justificaria uma reviravolta emocional a fins de provocação, e torcer pros hermanos seria uma resposta à altura ao ato de estupidez DELE. Mas não bastando, eu e a Dé já viajamos pra Argentina por duas oportunidades. Tenho amigos argentinos. Eu amo aquele lugar, por tantos motivos que mal caberiam nesse texto. Eu acredito na força de um continente latino. Eu acho qualquer agressão não-justificada um abuso – o mesmo abuso que eu acabei sofrendo por odiar tanto aqueles caras sem sequer saber o motivo, e que me fez sentir tanta tristeza após um gol. Então sim, eu acho essa rixa uma coisa cretina.

Felizes, partimos aqui de casa logo cedo.

Simulação das nossas vestimentas.

Simulação das nossas vestimentas.

Deixamos o carro próximo ao metrô Butantã, onde o cara do estacionamento – nos vendo devidamente trajados de azul e branco – sentenciou: “tão indo pro Itaquerão né? O jogo é às 13h… vocês tão de volta umas 17h, no mínimo. Eu moro praquele lado e sei como é que é”. Já na estação, a fila pra comprar o bilhete já trazia uma atmosfera muito nova: apesar da tal fila ser enorme, praticamente todo mundo sorrindo. Camisas diferentes, Argentina, Suíça, Brasil, Corinthians, Palmeiras, México, Venezuela (!), gente pintada, gente fantasiada. Aquilo era simplesmente legal. A Dé vira pra mim e fala “eu não manjo quase nada de futebol, mas se isso aqui é Copa, é muito divertido”. Era mesmo. Na minha cabeça veio um pensamento, de que aquela era a coisa mais próxima da utopia chamada paz mundial. Seguimos adiante.

E ao entrar no metrô, começaram os cantos, que nos acompanharam até Itaquera… “Brasil, decime qué se siente / tener en casa tu papá…”. As pessoas no metrô tiravam foto, filmavam, davam risada daquele povo falando alto e rápido aquele espanhol que tanto irrita ao Galvão. Alguns ainda perdidos, pediam informação – eu dei algumas no “meu espanhol fluente” inclusive, e matei um pouco a saudade de lá. No percurso pela linha vermelha do metrô, juntaram-se aos argentinos alguns corinthianos. Sim, porque pra gente, existia esse outro lado: conhecer o estádio que daqui em diante a gente vai chamar de casa. Uma ou outra testemunha suíça, alguns estrangeiros globais, era um trem absolutamente internacional. E divertido, muito divertido. Descemos em Artur Alvim.

Nosso setor no estádio era o Oeste. Dali em diante, andar até nosso destino. No caminho, fomos saudados pela organização (que foi extremamente competente, vale registrar), pelas pessoas na rua (como se fôssemos maratonistas), por um grupo de crentes (e seus cartazes de “Jesus está voltando”)… enfim, por todo mundo. Me vinham à cabeça as palavras do Thiagão duas semanas antes dessa bagunça toda começar:

“Só mais 14 dias… está chegando a hora de ver muito futebol e fazer novos amigos independente de nacionalidade e de qual é o próximo jogo. Aproveitem que vai ser do cacete, e não vai ter outra tão cedo.”

Ele estava certo.

Em pouco mais de dez minutos, chegamos. E eu confesso que devo ter aberto o sorriso mais rasgado ao ver de perto o Itaquerão. Me emocionei mesmo, de dar uma segurada no choro e tremer as pernas. A Copa ao vivo, ali em casa. Eu precisava de uma foto, a Dé tirou, e eu estou com uma cara de idiota feliz da qual muito me orgulho. “Welcome to Arena Corinthians! Bienvenidos a Arena Corinthians”. Sim, Corinthians – e azar de quem não fosse. A Fifa podia dar o nome que quisesse àquele lugar: ele é nosso. E que estádio lindo, Deus do céu… dos acessos à chegada no campo, tudo é muito amplo, muito bonito. É estranho deixar o Pacaembu por um lugar tão diferente, mas aquilo vai ganhar uma alma logo mais que vai sim deixar o lugar perfeito. É inevitável.

Eu, com cara de pateta e todo felizão.

Eu, com cara de pateta e todo felizão.

Lá dentro, a organização era impecável: das indicações aos pontos de venda, o pessoal de apoio, limpeza, tudo. “Você não tá sentindo como se fosse turista?”, a Dé me perguntou. Sim, eu estava. Aquilo era uma coisa diferente de tudo. Entramos e pouco depois já tínhamos uma visão total do gramado. Um céu azul, um calor bem razoável, e tanta gente naquela mistura que a gente só via na TV… era muito, era incrível mesmo.

Ainda faltava uma hora e meia pro jogo, então resolvemos passear pelos arredores. Os stands dos patrocinadores possuíam trocentas atrações – um toque que a Fê nos deu, e fomos conferir. Um clima total de balada, uma galera que notoriamente não era a mesma dos “jogos regulares”, mas a Copa é um ambiente totalmente diferente, e era sim tudo muito legal. Mas era gente demais (mesmo), e numa avaliação rápida, nos pareceu boa ideia irmos pros nossos lugares e esperar por lá o início do jogo.

Cheguei Copa!

Cheguei Copa!

De novo, nenhuma dor de cabeça. Tudo muito organizado – chegamos, sentamos e ficamos na expectativa. Uma multidão de argentinos ao redor, o clima seria o mesmo do metrô – e que bom. Havia uma tentativa da torcida da Suíça de sobressair, e os brasileiros em grande maioria apoiavam os europeus. Mas a torcida azul gritava mais alto, e cantava mais bonito. A nossa tensão nem se comparava à deles, que não erguem a taça há 28 anos – então a coisa era apaixonada mesmo. As equipes saem de campo após o aquecimento, e dez minutos depois toca a musiquinha da Fifa. E a coisa vai.

Selfie, porque tá na moda. Mas a gente tira desde o namoro mesmo...

Selfie, porque tá na moda. Mas a gente tira desde o namoro mesmo…

O jogo vocês viram, eu não preciso comentar. A gente viu tudo muito bem, de trás do gol que fica ao lado direito da TV. Os tais argentinos cantavam, calavam e torciam como gente grande. Obviamente haviam alguns alienígenas ali com a gente (as meninas que usavam um falso nacionalismo pra dar em cima dos hermanos, um casal na nossa frente mais preocupado em buscar cerveja do que assistir ao jogo, um pessoal gritando “senta” a cada levantada da torcida nos ataques… essas coisas de quem acha que está no cinema ou no sofá de casa). Mas nada disso atrapalhou a gente – só o gol que não saía. No tempo normal, e durante quase toda a prorrogação.

Quase.

Câmera mais que exclusiva.

Câmera mais que exclusiva.

Ele existe mesmo. E joga. Muito.

Ele existe mesmo. E joga. Muito.

Acabou 0x0. Todo mundo procurando vida pra mais meia hora.

Acabou 0x0. Todo mundo procurando vida pra mais meia hora.

Pouco antes daquela zona de goleiro dando bicicleta e bola na trave.

Pouco antes daquela zona de goleiro dando bicicleta e bola na trave.

E como foi legal ver o Messi fazer magia no estádio do Corinthians. O gol do di María fez justiça não à seleção, mas à Copa. Disse a Vanessa que “não faria sentido a Suíça passar”. É verdade… os caras ao nosso redor choravam copiosamente, um desabafo que há muito eu não vejo por aqui em Copas – mas que vi muito de perto, dentro minha própria torcida, com a conquista da Libertadores de 2012. Eles estão desesperados, e aquela bola na trave no último minuto quase matou metade do coração. Acabou. A gente tinha visto a Copa ao vivo. Era surreal.

O fenômeno admirando essa Copa, que devia estar dando vergonha, mas tá é muito boa.

O fenômeno admirando essa Copa, que devia estar dando vergonha, mas tá é muito boa.

Porque todo mundo se cumprimentava… todo mundo saía numa boa, camisas vermelhas, azuis e amarelas. Um mundo diferente esse (que eu DUVIDO que aconteceria por exemplo num Brasil x Argentina, com ânimos e rivalidade aflorados de fato). Ainda encontramos o Casper (que eu não via há 15 anos), e foi bom dividir um pouco de tanta alegria com quem havia sentido coisa parecida por outro ângulo no mesmo lugar. Deu tudo muito certo, foi tudo muito bom. A volta, igual à ida, foi em meio a um corredor cercado por moradores e curiosos, que queriam a todo custo uma lembrança do jogo que não foram… uma histeria, um treco totalmente louco. No trem, os argentinos aliviados, e um senhor corinthiano batendo papo comigo fecharam a tampa da panela. Voltamos ao estacionamento às 17h40 – o cara mora lá mesmo, e sabe das coisas. Safadão.

Eu e o Casper, pouco antes de pegar aqueles palmeirenses ali atrás na porrada.

Eu e o Casper, pouco antes de pegar aqueles palmeirenses ali atrás na porrada.

E se existe alguma coisa a mais que possa ser dita, é que no fim das contas não importava a seleção (mas ser a Argentina foi bom, pois a torcida contagiava): a real é que a Copa é uma experiência. As pessoas estão diferentes, o clima é incrível, e a sensação é de viver o impossível. Aquela coisa que acontece dentro da TV de 4 em 4 anos, e que faz o mundo parar, é de verdade. Ter feito parte dela ainda me parece um sonho, e a cada dia eu tenho uma convicção maior de que essa Copa devia ser proibida de acabar. De qualquer forma, da minha vida ela não sai mais.