Levante e ande

Começar um novo espaço. Não significa de forma alguma esquecer aquilo que se viveu – e nesse caso, que se escreveu. Quando você saiu da 8ª série e foi pro primeiro colegial (não faço ideia como essa gradação de etapas se chama hoje em dia), o uniforme foi aposentado, o jeans foi autorizado, a sensação de sair de um número oito para um número um “de gente grande” te trazia exatamente esse mesmo sentimento: renova-se tudo, mas o ambiente permanece o mesmo – porém, sob uma nova ótica.

Acho que não desaprendi a escrever, mas como é difícil recomeçar. O hábito das palavras se perdeu nos minitextos do Facebook, e toda aquela correria de “fazer logo, e fazer muito”. No fim das contas, a gente acompanha a onda, sem notar quando e como é engolido por ela. Foi meu caso, e uma outra enorme série de fatores que me afastou disso tudo: o tempo cada vez mais curto, o casamento e suas (já nem tão) novas responsabilidades, um novo rumo pra minha vida (com menos, e melhores pessoas num cotidiano cada vez mais caseiro), a morte do meu pai e a impressão que pouco havia de importante a se descobrir na vida após uma perda tão difícil de se descrever pra quem nunca perdeu ninguém – ou pelo menos, alguém tão próximo. Foi tudo ao mesmo tempo, mesmo que esse tempo agregue uns 3 ou 4 anos. Ninguém é obrigado a ser racional o tempo todo, ainda mais quando a pessoa em questão sou eu, cujo cérebro sempre esteve submisso ao coração.

Porém, de uns meses pra cá, a Dé me trouxe um novo momento – mesmo que não diretamente, preciso culpar alguém por um processo tão complexo e tão tardio na minha vida, e acho que ela é a pessoa certa pro meu dedo entregar. Eram tempos difíceis (sempre são, nada é fácil), e num daqueles momentos de desespero sobre o que fazer com a própria vida, ela me entregou um livro. Logo pra mim, que nunca fui de ler. Não, não foi a Bíblia ou nenhum evangelho que o valha (essas coisas pegariam fogo nas minhas mãos, com toda a certeza, e eu tenho coceira sobre obras que falam de alguém que você nunca viu, escritas por alguém que você não sabe quem é – mas isso é papo pra outro texto). Existe uma lei universal, que diz que prevalece o bom senso quando um conselho vem da sua esposa ou da sua mãe, sendo que sua mãe não oferece risco de divórcio – portanto, pra quê subestimar? E lá fui eu, páginas adentro.

O tal livro falava sobre auto-engano, e entendi em duas ou três páginas que sim, aquilo era uma mensagem direta pra mim. Acabei mergulhando no menino, e em poucos dias terminei a leitura. Isso aconteceu no início do ano, e de lá pra cá amadureci algumas coisas que foram plantadas na minha cabeça – não com lavagem cerebral, mas com uma dose colossal de afeto. Poucas foram as pessoas a quem eu confidenciei a vontade de mudar certos aspectos da vida com os quais fiquei bastante conhecido. Não que tivesse vergonha de algo que fui, fiz ou pensei. O passado está escrito, e se a gente toma certa decisão em certo momento, é por acreditar que aquilo é o melhor pra gente. Mas os momentos mudam, e a gente precisa acompanhar as mudanças.

Junte-se a isso o fato de ter vivido nesses últimos anos esse redemoinho de emoções. Mudanças de família, amigos, trabalho, geografia. Era hora de encerrar (ou colocar de lado) uma etapa da vida, e partir pra outra. Mais do que novas perspectivas, novas atitudes. Obviamente, o ser humano que não se permite algumas cagadas, um ou outro dia de fúria, e a intepestividade que somente a loucura que a gente guarda enquanto bate o sol, certamente não está vivendo uma vida real. Acho que recomeçar significa também uma forma de fugir dessa urgência e obrigação que hoje em dia parecem cada vez mais presentes: de viver dias perfeitos, com pessoas perfeitas, de sabores e caráteres perfeitos, medindo palavras e tomando cuidado pra não pisar fora da linha. Esse universo virtual está esterelizando nossas personalidades, e hoje somos muito mais aquilo que parecemos, do que aquilo que de fato sentimos, transpiramos e evoluímos. Um erro de postura, do qual eu não quero fazer parte. Obviamente isso não se resolve inaugurando um blog, mas testar a paciência alheia com leituras de 5, 6, 10, 20 parágrafos, expondo assuntos (quaisquer que sejam) com o cuidado e os detalhes que eu tanto sinto falta hoje – mas que encontro em minhas novas leituras, sejam elas em livros ou em textos de colunistas replicados à exaustão no Facebook.

Primeiro, adquirir o gosto pela leitura, sem que gastar 15 minutos em frente ao computador ou abrindo um livro enquanto a porta do banheiro está fechada me causem uma crise de consciência. Depois, tentar trazer pra cá as coisas que eu quero falar. Sem obrigações políticas com ninguém, sem compromisso “com meus seguidores” (que expressão mais doentia, essa), e sem paranoias quanto à popularidade daquilo que se diz. Se em algum momento algumas linhas foram capazes de influenciar minha cabeça, a ponto de mudar minha postura perante os meus e meu mundo, e num universo onde tão pouco se faz pela reflexão embasada sobre qualquer que seja o assunto, talvez esteja nos faltando essa calma, de gastar algum tempo reforçando aquilo que se pensa, ou conhecendo outro ponto de vista, que gere uma discussão criteriosa – mesmo que ela seja sobre futebol, não importa. Exercitar a tolerância, e repensar a verdade como um resultado da comparação de diversas fontes é apenas um passo.

Mas um passo significa levantar da poltrona, e sair do lugar.