Respire fundo, e Benalet

Nas duas vezes que estivemos em Buenos Aires, pegamos táxi por algumas vezes. Em ambas as viagens, além da abordagem clássica (são brasileiros? o que vieram fazer por aqui? estão gostando?, e toda aquela milonga deliciosa de sempre), os motoristas falaram sobre política. Na primeira viagem, em 2008, sobre o governo Lula; e no início desse ano, sobre a “Lulita” (o apelido da Dilma pros hermanos). Conversamos dentro daquilo que sabíamos, e nessas horas ficou claro que sabíamos muito pouco – principalmente comparando nosso conhecimento à fluidez dos argentinos no assunto.

mafalda

Esse povo de cabelos engraçados, futebol vistoso e ótimas carnes e doce de leite já vai pra rua faz muito tempo. Tem dois heróis nacionais declarados: Evita Perón (dispensa maiores apresentações), e Domingo Sarmiento. Ambos presidentes, o segundo – e menos conhecido por aqui – se destacou pelos incentivos à educação e cultura no país. Não por coincidência, desde seu governo houve uma proliferação de livrarias pelo país. Os argentinos continuam apaixonados por futebol, mas passam seu tempo livre em áreas públicas enormes, cultivando os bons hábitos do convívio em sociedade, leituras, esportes e um lazer de qualidade. Não por acaso, conversar com a maioria dos argentinos é uma experiência que acaba com qualquer preconceito babaca ou rixa estúpida surgida com a tal rivalidade futebolística.

Houve um estalo, e com a coragem de alguém, tudo começou a mudar. Lá atrás.

Os atos públicos que estão acontecendo por aqui têm despertado opiniões das mais diversas. Eu, que tanto falei sobre por aqui na semana passada, resolvi botar o pé pra fora de casa e segunda-feira tentamos entender a coisa toda de dentro. E vimos de tudo, mesmo. Desde então o que se discute é se estamos ou não “banalizando um movimento autêntico”, ou se isso tudo não é “fogo de palha”. Ficou mais fácil formar uma opinião depois de participar, essa é uma certeza que tenho.

E acho que o fato de domingo à noite discutirmos, em uma mesa de sete pessoas, a tal política vista aos olhos de cada um (e olhos tão diferentes que não foram poucas as surpresas com as opiniões de cada um) tornou-se assunto: superficial, viciado, bandeirista, não importa. Discutimos. Assim como o facebook, que vem sendo dominado pelo assunto desde semana passada, sem pausas pra Copa das Confederações ou pro Dia Nacional da Garrafa Térmica. Estamos discutindo, cada um do seu jeito: sem buscar fontes, passando adiante informações toscas (às vezes levianas), vídeos descontextualizados, pedidos de justiça vazia. É um verdadeiro tiroteio sem alvo. Os poucos realmente politizados e com conhecimento desmerecem as “tentativas vazias” da maioria. E você pode pensar: que merda isso… como a gente está longe de saber o que quer, e mais ainda: como lutar por isso?

E aí eu discordo.

Conversando com uma amiga hoje, a conclusão que eu tiro é que, mais importante do que sabermos onde chegar, é termos saído da inércia. Uma molecada com energia, e que ainda não tinha visto seu próprio país na rua, viu e gostou. Muitos dos céticos (incluo-me) tiveram uma fagulha de esperança em tudo o que vem acontecendo. E quanto às discussões… eu nunca vi uma criança sair do engatinhar e começar a andar sem tropeçar, cair e se machucar. Mas é um caminho sem volta – após a primeira tentativa, você faz a segunda, a terceira, e quando menos percebe está andando sozinho. Se todo esse furor se transformar em hábito, a gente pode se orgulhar sim de ter dado um primeiro passo.

Política não pode ser tabu, ou papo de velho, ou coisa de radical, e a gente precisa ser fluente e trocar opiniões, SIM: com quem entende, com quem não entende nada, com quem tem opinião formada e com quem está mais perdido que calcinha em lua-de-mel. É um processo que demanda tempo, empenho e acima de tudo, boa vontade e auto-crítica. E saber que além de protestar contra as injustiças, a gente precisa dar o segundo passo/o exemplo. Mais que isso: parar de culpar os partidos, os políticos que estão lá e toda essa corja. A culpa é nossa, que além de discutir, não sabe votar, acompanhar e cobrar os nomes que elegemos. Então, vamos aproveitar o momento pra entender tudo isso. Sim, a panela explodiu, tá uma puta zona na cozinha e a gente nem sabe por onde começar a limpar.

Mas decidir é preciso, porque à noite a gente tem que jantar.