Gera gentileza

1) O bar convidativo e gostoso, de meio de bairro, sem invasão de flanelinhas, vendedores de sândalo e paninhos de prato é perfeito. Mesas na calçada, você esquece da hora, do check-in no foursquare, da paranoia do estacionamento – afinal, ali está o meio-fio, sem a famigerada zona azul, sem estacionamentos privados que cobram mais caro que cerveja importada. E depois de algumas horas, pouco antes de ir embora, ao pagar a conta no balcão, o dono do estabelecimento (que você já conhece pelo nome, e qual a novidade? chama-se Zé) te oferece uns pedaços de chocolate que estavam depositados naquele enorme pote plástico ao lado. De graça. “Pra ajudar a voltar pro prumo sem ressaca, sabe?”

2) Você pede a pizza, sempre pela internet, vez ou outra por telefone. Ela sempre chega bonita, pesada, gostosa. Às vezes atrasa um pouco, mas quem não atrasa nessa cidade? Não é motivo pra ligar pagando geral e mandando praquele lugar quem por azar atender o telefone. E eis que um dia você resolve variar um pouco, e ao digitar o pedido resolve que dessa vez a cebola fica (por mim, ela sempre ficaria, mas o paladar aqui de casa não é só meu). E ao enviar o pedido, os caras da pizzaria te ligam em seguida, “pra ver se é isso mesmo ou se você não errou, já que a gente tá acostumado aos pedidos de vocês e a pizza sempre é sem cebola“.

3) Fim de tarde, a gente resolve descer a rua e encontra numa viela aqui perto um restaurante de um senhor simpático, de bigode vistoso. Encostamos o carro (na rua, sempre na rua), atravessamos e somos recebidos com um abraço de boas-vindas. “Digam onde vocês querem sentar que eu monto a mesa pra vocês“, ele diz ainda (e sempre) sorrindo. Na indecisão da Dé, ele emenda “algo no meu coração diz que se você sentar ali, vai gostar mais“. Contra coração a gente não argumenta: obedece. E é feliz, obviamente. Ele volta a conversar com o pessoal da mesa da calçada, e a gente é atendido por outro rapaz, garçom do lugar, que explica cada coisa do cardápio “fofinho“. Desistimos de pedir. “Traga o que você quiser“, e o rapaz não decepciona. No meio disso, enquanto a gente aguardava a segunda rodada de pratos, o senhor sorridente encosta na mesa, com um pratinho de dois kibes, me entrega e completa com “eram os últimos, acabaram de sair e te trouxe só por causa da sua camisa (do Corinthians, óbvio), porque ela me emociona só de olhar“. Fomos mimados, entupidos de uma comida absurdamente saborosa “e fofa“, e quando achávamos que nada mais cabia, veio a sobremesa. E não sobrou nada. “Vocês vão ter que voltar, porque ficamos devendo o café“. A gente volta, claro que volta. Na saída, minha mãe chama o bigodudo: “Posso dar um abraço no senhor?” – “Eu que ia pedir o seu abraço!“, e a gente fecha a noite dessa forma, quase emocionado.

E antes que você me diga qualquer coisa sobre “técnicas de venda“, “eles precisam servir bem pra sobreviver e continuar no mercado” e outros argumentos céticos, eu já deixo respondido: sim, é possível – mas tem algo a mais aí. E esse algo a mais aparentemente é a sinceridade, e o gosto em fazer as coisas de um jeito bem-feito. Coincidentemente, são 3 exemplos culinários/etílicos, mas existem outros vários aqui no bairro: o santista dono da adega que empresta garrafa de vidro e nunca mais pede de volta, o mecânico que arruma teu carro e te pede pra dar uma volta sem exigir que você deixe pagamento, identidade ou qualquer outra garantia, a dona do mercadinho que num dia mais calmo te pára durante o pacote pra contar que cursou desenho industrial, mas que agora estava pensando em fazer gastronomia, “porque ter um diploma na parede deve ser uma sensação muito realizadora“, o açougueiro que sempre faz a mesma piada depois de falar do Coringão, ou ainda o porteiro que no sol ou na chuva sai da cabine pra bater três minutos de papo contigo sobre qualquer coisa: pergunta se o joelho tá melhor, que o calor não cessa, que tá tudo tranquilo com ele e essas coisas.

E depois dessas pessoas, é muito difícil você continuar irritado, ou tenso, ou desiludido. É muito fácil você dar passagem, sorrir no semáforo, agradecer ou desejar um bom dia. Isso contamina, mas a gente às vezes se sente bobo por estar feliz em meio à sisudez do mundo. Uma culpa burra, desnecessária, e que faz com que os bons momentos sejam tão especiais que pareçam irreais. Não são. Essa é a real força transformadora, a coisa que a gente busca pro mundo, os reais instrumentos pra uma vida melhor. A gente cruza com eles, todos os dias, em exemplos triviais grande parte do tempo, e tão únicos às vezes que a gente nunca mais esquece. É estar consciente deles. Cultivá-los. Não negar o que nos trazem, e não se sentir idiota em passá-los adiante. Mesmo que não afetem a todos, nem sempre (porque sim, sempre existirá os que preferem o mau-humor, o smartphone, a reclamação constante, o “não fez nada mais que a obrigação“), não importa.

É fazendo o nosso que a gente vira coisa especial pros outros. E é bom demais saber que você é o motivo da alegria de alguém – seja esse alguém quem for.

P.S.: E não, não é um post patrocinado. Eu indico porque eu amo, e é um puta de um argumento válido (e suficiente) esse:

1) Bar Dona Ilda
Rua Guanás, 337

2) La Spezia Pizzaria
Rua Doutor Sílvio Dante Bertacchi, 485
(11) 3501-9719

3) Sainte Marie Gastronomia
Rua Dom João Batista da Costa, 70
(11) 3501-7552

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