Curtindo?

Eu saí porque tinha cansado. Tinha cansado dos mimimis.

Foi assim que uma amiga justificou sua desistência do Facebook (substitua por sua rede social de preferência, acho que a análise não se restringe especificamente a um nome – isso vem desde o agora moribundo Orkut). Essa asca de redes sociais não é exclusividade dela, muito pelo contrário. Eu mesmo desisti do twitter já faz um bom tempo, me recusei enquanto pude a entrar no tal G+ (e só tenho uma conta lá hoje pra poder utilizar melhor o tal Hangouts – o substituto do Google Talk, já que o MSN desapareceu, e o ICQ então, coitado…), e tenho um celular do tempo das cavernas que deveria ser um smartphone há muito tempo – mas momentaneamente me falta dinheiro, e as prioridades reais ainda prevalecem ante o anseio tecnológico.

Mas culpar a tecnologia é um expediente muito cômodo. Ela funciona sim num avanço contínuo e infinito, de forma cada vez mais rápida, e com a capacidade de escravizar os que vêem no consumo um meio de auto-afirmação. Mais do que isso: as tendências criadas pelos mais influentes – os tais formadores de opinião – ditam regra inclusive aos que não podem bancá-la, mas não querem ficar de fora. No final das contas, a popularizamos, mas não utilizamos nem sequer metade àquilo que de fato se destinam. Não que isso seja novidade: quem conseguia programar um vídeo-cassete? utilizava todas as funções do forno com grill? as lavagens de roupa diferenciadas?

Vivemos um tempo bizarro de adestramento tecnológico.

Saímos por aí imitando hábitos que sequer se justificam, numa propagação bisonha de porra nenhuma. E no fim das contas, colocamos a culpa no Facebook (e no meu caso, por exemplo, no twitter). Talvez por em algum momento termos entendido o conceito da tal globalização, tão pregada há anos. Porém, um universo sem fronteiras não é necessariamente um universo sem portas e janelas. Mais do que todos compreendermos que de fato vivemos debaixo do mesmo céu, é preciso lembrar que “sermos matéria” consiste em ocuparmos espaços. Delimitarmos territórios. Não, a ideia não é um universo de microcosmos, mas que voltemos a ser donos do nosso próprio espaço. Para isso, a primeira coisa a fazer é justamente… termos um.

Porque aparentemente o que acontece cada vez mais é uma necessidade constante e crescente de vivermos nossa vida pros outros, muito mais do que pra gente. Será que de fato me importa saber se você está brava porque pegou trânsito na terça de manhã? Se você acha esse grafite inspirador? Que o frio te faz espirrar e ter dor de cabeça? Que você não aguenta mais seu emprego (e isso acontece todos os dias)? Acho que não, meu amigo… esses são problemas seus, e não assunto público. Mude o trajeto (ou o veículo), tome pra si suas próprias lições, compre um antigripal e peça demissão se for o caso. Serão quatro reclamações a menos infestando a vida alheia, e você muito menos amargo aos olhos de quem tanto te faz querer impressionar. Existe uma emergência absurda – e uma energia enorme gasta – em ser durante todo o tempo uma série de coisas. Todas, ao mesmo tempo:

1) O formador de opinião;
2) O mais sexy;
3) O gourmet;
4) O piadista;
5) O politizado;
6) O repórter que dá o furo (na inocência);
7) O cara deitado no divã do analista.

(Troquem os Os por As sempre que quiserem)

Aquela coisa infantilóide de ser o mais popular da turma se transformou nessa rotina bitolada de cliques a esmo. Curtimos 150 vezes por dia, compartilhamos outras 50, mas não temos a capacidade de ligar pra um desses 600 amigos pra marcar uma cerveja. Damos uma importância absurda à qualidade da câmera e trocentos filtros do smartphone (que nos permitem ser ainda mais ativos nas redes), mas não somos capazes de colocarmos o danado na orelha e perguntar se o tal amigo que fica espirrando em dias frios está melhor quando o sol enfim deu as caras. Viramos essa coisa insípida, o tal admirável mundo novo – porém, cercados de status vazios, propagandas enganosas e sabedoria descartáveis.

E a propagação disso tudo, feita sem pensar, não reflete aquilo que crescemos aprendendo: pensar antes de falar, procurar saber se é verdade, se perguntar se o cara do lado (e são tantos nesse universo) de fato precisa ouvir, ou ler, ou saber daquilo. No fim, nossas mãos viraram verdadeiras metralhadoras, em busca de uma visibilidade mais frequente, de discussões mais acaloradas sobre o tema do dia, essas coisas… fora da tela (grande ou pequena), nossos outros órgãos refletem a mesma urgência e estupidez: o peito ansioso por saber o que fulano escreveu no mural, a boca se presta a uma verborragia assustadora que faz do mundo seu analista, e os ouvidos praticam o desapego, ignorando a localização física do cérebro entre as duas orelhas.

Dá pra entender a asca da minha amiga. Mas acho que o problema não tem a ver com o Facebook na função de rede social (uma sociedade que não se vê, não se fala, não se cheira e não se vive é uma sociedade que a gente deve duvidar) – mas sim enquanto agente de propagação dessa rotina vazia que cada dia mais nos deprime, mas que não mexemos uma palha pra mudar. É uma pena… pernas, braços, cabeça e coração continuam, até onde imagino, com as mesmas funções que sempre tiveram nesses últimos 2000 anos.

Porém, nesse momento, com utilização bastante limitada. E a culpa é nossa.

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